Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

07
Jul 11

O Douro em mágoa

No ombro o peso da enxada

Do silêncio o rio acorrentado à água

No rio ela deitada,

 

O rabelo nas máscaras do anoitecer

Desce e sobe socalcos nas entranhas do xisto

Na minha mão envelhecer

Com estas pernas eu desisto,

 

E o cheiro da uva que se engasga na neblina

O verde emagrecer da folha que da videira acorda

E do chão terra minha sina,

 

A agreste chuva miudinha

Que o corpo afoga

Do corpo dormente na vinha.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:21

A podridão da chuva nas tardes de domingo,

Automóveis que circulam na azia do almoço quando do estômago se levanta o cansaço da digestão, o peixe pregado à parede da casa sorri como ventoinhas abraçadas aos círculos das horas, o vinho a granel saltita de mesa em mesa, o taberneiro de cigarro suspenso nos lábios enrolado nos pêlos invisíveis da barba semeada numa tarde de vento, a gordura peganhosa das mãos salientes como pincéis calcinados na tela do relento, cospe para o chão, mergulha os dentes em bolos de bacalhau e sandes de presunto, ovos cozidos que salpicam latas de atum, e no pavimento as beatas de cigarro deixadas pelos marinheiros, o peixe do rio assado uma delícia, recordo-me eu da tarde que sentado à mesa não percebia o boneco de barro sobre o balcão e pintado de palavras,

- Queres fiado toma,

O rádio engasgado no terço da tarde, “Ave-Maria, cheia de graça, o senhor é convosco”, e confirma que foi o senhor que roubou os perus do meu quintal, sim excelência fui eu, respondo-lhe pausadamente, “Pai nosso que estais no céu”, condeno-o a três meses de trabalhos forçados e em seis meses sem contacto com livros ou a possibilidade de escrever, está bem assim?, perguntam-me, e eu respondo que sim, que posso eu responder, o boneco de barro olha-me ,

- Abre o olho pá, sussurra-me o taberneiro enquanto me debato com as espinhas do peixe,

Seis meses sem livros?, Seis meses sem escrever?,

- Que alivio para nós, os leitores do meu blog,

Eu em luta de pinguins com as rodelas de cebola, furo-lhes os olhos com o garfo inclinado, o braço que segura o garfo em rotação, a rodela de cebola em círculos concêntricos, e pimba contra as teias de aranha do soalho do primeiro andar,

- Queres fiado toma,

Desisto,

Não sou capaz, não sou capaz de olhar as rodelas de cebola, o cheiro revolta-se-me no estômago e vomito pedacinhos de letras, a diarreia de vogais e as sílabas em esguicho do nariz embriagado,

Caio para o lado, tombo da cadeira e estatelo-me no soalho nauseabundo de saliva, a podridão da chuva nas tardes de domingo, e quando acordo eu sentado no cimo de uma montanha, e ao fundo, ao fundo bem lá longe, o Douro curvilíneo a contornar os socalcos.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:39

O cubo do corpo

Hermeticamente fechado

E lá de dentro o cheiro da minha mão

Que me acena do silêncio frio da escuridão

 

Fumo de papel amarrotado

O corpo impresso na calçada junto ao rio

À procura de barcos com chouriço

E migalhinhas de pão

 

O corpo sem mão

Camuflado na manhã sedosa das nuvens envergonhadas

Cansadas

Depositadas na sepultura da tarde quando as rosas

 

Empoleiradas no arame da secura

A boca engasgada nas horas intermináveis

Da língua o fogo do desejo

Na língua os teus beijos amargurados

 

Finos cansados acordados

Que tingem o meu corpo de névoa anoitecer

Que prendem os meus braços aos ramos de uma oliveira

E na brincadeira

 

Espetas-me pregos nas costas pisadas na sombra

O meu corpo tomba

E na minha cabeça dessoldada

Poisa uma gaivota evaporada

 

O rio foge-me no mar

O meu corpo misturado com o lodo

Eu fico nada

E ontem eu também nada

 

Não tenho corpo

Lábios

Não tenho beijos

Ou corda onde me agarrar…

 

O meu corpo uma simples pedra

A rocha quando as lágrimas soltam o amanhecer

O meu corpo envelhece o meu corpo parece morrer

E os pássaros afogam-se no mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:06

 

 

Alicerça-se a noite nos braços da lua, pela janela entram os sons da saudade do rio sul, de S. Pedro do Sul, das Termas, de Carvalhais, e na eira de Favarrel o avô Domingos sentado numa pedra a brincar com uma espiga de milho…, oiço junto ao canastro o silêncio dos seus pensamentos, os machimbombos que passeava pelas ruas de Luanda, a fotografia pendurada na parede da sala e que ainda hoje me olha, bom dia meu filho diz-me ele pela manhã, os melros suspensos no tecto da eira e que de vez em quando me sorriam, olhava-lhe nos olhos as lágrimas dos tempos difíceis quando carregava como um burro os pesadíssimos rolos de pinheiro na serração, e para quê meu filho?, Lamentava-se ele, dezoito escudos por dia, dezoito escudos por dia e fome, e o meu sogro António esquecido em França na primeira guerra mundial, o avô velhinho?, poisado nas escadas da casa e a contar os bois em direcção ao pasto, a mastigar as palavras e a recordar que já a guerra tinha terminado há mais de um mês e eles perdidos pelos campos acreditando que o inimigo escondido na copa das árvores, a eira de Favarrel alimenta-se da finíssima poeira das manhãs de Carvalhais, da igreja os toques esquisitos do sino que um ateu nunca compreende, porquê avô?, perguntava-lhe eu, porque são mais felizes os pássaros aqui, abraça-me, quando nos fins de tarde o esperava no portão de entrada, a cidade fervilhava no suor pegajoso da chuva miudinha, e tardes inteiras a contar carros em corridas para o quartel do Grafanil, esta terra roeu-me os ossos meu filho, esta terra meu filho, e dezoito escudos por dia a carregar rolos pesadíssimos de pinheiro, galgando a serra para trazer o leite para a tua tia, descalço para poupar o cansaço das botas, os pés inchavam e mergulhavam nos silvados da noite, e na eira de Favarrel o avô Domingos sentado numa pedra a brincar com uma espiga de milho, o vento desce no agreste da serra e enruga o granito da eira, o canastro decrépito emagrece das ripas de madeira no desespero dos dias, e dou-me conta que o avô Domingos não lá, silenciosamente deixou de brincar com as espigas de milho.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:41

Os dias e as noites não terminam nunca

E nos olhos em desespero da manhã enraivecida

As pedras que se desprendem do silêncio

Nas mãos que se cruzam na nuvem emagrecida,

 

Os dias e as noites

As horas os dias e as noites em mim prisioneiras

Uma corda enlaçada no pescoço da solidão

A sombra impregnada das mangueiras,

 

Vem mar da saudade de ontem

Traz-me os dias e as noites e o cansaço

Vem ao meu encontro cacimbo da manhã

E não tenhas medo dos meus braços.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:59

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