Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Jul 11

É nos teus pequeníssimos fios de cabelo

Que as flores se alimentam,

Magnificamente ela sentada na esplanada do café a mastigar os artigos do semanário Expresso, não fuma, dos cigarros dele o fumo transverso das palavras semeadas sobre a relva, sílabas minhas e sílabas dela, vogais, letras desordenadas em fila para a consulta no posto médico, dores de cabeça e dores de barriga, corredor e ao fundo esquerda, a empregada com um cartaz na mão, peça de Teatro “O comilão” inspirado nos textos de Luís Fontinha, salão dos bombeiros voluntários às vinte e duas horas e trinta minutos, gravidez, segunda porta à direita, e ele questiona-se, e eu porra?, não me dói a barriga não tenho dores de cabeça e que eu saiba também não estou grávido, o senhor espera no hall, retorquiu-me a magricelas de bata transparente, os seios de rosa pendurados no azul do céu, no umbigo um pedacinho de metal semelhante a um outro que sobressaia na orelha esquerda, será esta gaja metalúrgica?, ele espremendo pensamentos no cérebro desalinhado, por favor, olhe, desculpe… dor na mão, casa de banho, quarta porta à esquerda, como pergunto eu?, dores na mão é na quarta porta à esquerda, casa de banho, cintila a magricelas de mamas penduradas para mim,

- Olha amor, diz aqui no Expresso que “família de Maddie também foi escutada pelo News of the World”,

Ai sim,

Começo a afastar as ondas à medida que caminho no corredor, quarta porta à esquerda, bato, gritam-me lá de dentro, faz favor, com licença senhor doutor, as minhas palavras contra a careca do homem enfastiado e sentado a uma secretária, e o doutor no silêncio da tarde e com o rosto atado ao monitor do computador, o que o traz por cá, é uma dor na mão direita, mão direita?, pergunta-me ele, mão direita é no gabinete em frente, foda-se vocês nunca sabem nada, filhos da puta, dores na mão direita quarta porta à direita, dores na mão esquerda quarta porta à esquerda, custa assim tanto?, ele aos berros,

- Olha amor, “NASA quer pôr um camião na lua”,

O Moonstream,

Claro que custa, custa e muito, ando aqui feito paspalho de porta em porta, livro de reclamações escreve ele na parede, saio, cerro a porta e semeio-lhe pregos, agora vais-te foder que não sais daí, eu para o candeeiro do tecto, mais umas braçadas nas ondas incandescentes do mar, e pum pum na porta da direita, faz favor entre, está aberta, a voz melódica de uma mulher, posso senhora doutora, sim claro, o que o traz por cá?, eu lamento-me da dor intensa na mão direita, o senhor fuma?, sim muito, digo-lhe eu, isso é do cigarro, CIGARRO?, sim cigarro, vou receitar-lhe comprimidos para engolir três vezes ao dia, e tabaco, tabaco nenhum,

- “Bancarrota: risco de Portugal de 11,7% a 57%”,

É nos teus pequeníssimos fios de cabelo

Que as flores se alimentam,

E eu que pensava que não…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:22

O que espero eu da vida!,

O que a vida espera de mim,

Nada,

 

Um quarto de trigo de Favaios, a algibeira esvaziada no crepúsculo da tarde quando sobre os plátanos do jardim Dr. Matos Cordeiro emergem gaivotas à procura de mar, os barcos rabugentos, enferrujados, abandonados nas camas do Centro de Saúde, a doença é simples, diagnóstico velhice, cansaço da vida, quando a vida se cansa de nós, nos braços as dobradiças dos dias completamente entupidas de grãos de areia, o chilrear das noites quando as carcaças dos caixotes do lixo desaparecem no néon dos meses, o telefonema do amigo Delfim, paragem na escrita, a história suspensa, um café e dois ou três cigarros de amizade, regresso às palavras nauseabundas da tarde, regresso ao cansaço da tarde, o mar espera-me em Vila Real, e tenho medo das ondas, a maré entra-me pela boca desassossegada e na língua o seixo frio da serra, a sombra das árvores, os pássaros, o IP4 ziguezagueado nos vómitos do alcatrão, preciso de terminar, preciso de me despedir e as palavras absorvem-me, as palavras que prendem as minhas pernas, mas terei de estar às dezoito horas em Vila Real, penduro as palavras no cachimbo de água, e talvez na noite, talvez na noite voltem para a minha mão…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:58

No vazio da manhã os meus olhos fecham-se

Como o portão da noite,

Das árvores em mim os ramos decadentes

As raízes penduradas no almoço,

 

Sento-me e canso-me,

Olho o mar

No prato vazio de sopa

Como a manhã

 

Quando se recusa entrar pela janela,

Os meus braços poisam sobre a tolha despida

E nua, os seios dos azulejos da cozinha,

E a minha boca esconde-se na sombra do cortinado…

 

Abro a janela e o mar foge

Levanta-se do prato de sopa

Corre pavimento em maré

E extingue-se nas nuvens da tarde.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:27

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