Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jul 11

Falei e fui,

Ao homenzinho verde e de olhos castanhos dentro de uma caixa de cartão, malabarista de profissão, camafeu dos tempos modernos, trapezista nas horas mortas do dia, o peso do arame na sombra, o equilibrismo debaixo das nuvens, o capim que lhe comia os tornozelos e do fumo desaparecia no cacimbo, embondeiro grisalho sobre a cabeça espadaúda e tenra da tarde, jeremias seu nome, jeremias sou eu, gritava ele enquanto acenava ao público desdentado que assistia ao seu maravilhoso espetáculo, magnifico raquel, equilibrista russa que vive em Massamá, jeremias faz-lhe gestos obscenos com os olhos verdes, e ela num salto mortal manda-o foder literalmente,

- E já foste,

Desequilibra-se do arame, bate as asas e cornadura sobre o tapete vermelho, desdentados em palmas, jeremias a tremer como se fosse o nevoeiro junto ao tejo, tejo?, e onde se lê tejo deve ler-se douro, errata, o livro de apontamentos misturado no papel higiénico, e jeremias sabe que os seus textos são uma merda,

- Os meus textos são uma merda, repete ele quantas vezes consegue na voz distorcida das pernas finas e amolgadas do espetáculo,

A aparelhagem sonora engasga-se nas coxas da raquel trapezista, e como se fosse um líquido pegajoso entranha-se nas mãos embaciadas de pó talco, jeremias cospe para a parede e escreve repetidamente “OS MEUS TEXTOS E POEMAS SÃO UMA MERDA”,

- Pois são, em gemidos a raquel magricelas que nas mamas pendura um fio de nylon e um anzol,

E para que servem os alfinetes?, mergulha a cabecinha no escuro jeremias, e alguém do público, um desdentado lhe explica que os alfinetes servem para o big-bang,

- Big quê, Foda-se, que é essa merda?, o apresentador do espetáculo na pasmaceira do costume,

Ninguém sabe, e também não interessa,

- O que interessa é a aparência, a raquel com a aparelhagem sonora aparafusada às coxas da noite,

O que interessa é a aparência?, questiono-me eu, questiona-se jeremias, e o que está dentro da casa não serve para nada, caralho?, a irritação da voz do apresentador, só interessa a fachada da casa?, digo eu, e o conforto dos compartimentos, caralho?, grita jeremias para a tenda de circo,

- Falei e fui,

E voltei a vir de mãos vazias, a fila interminável de cabecinhas verdes nos assuntos da repartição, senha trinta e cinco, ouve-se uma voz esganiçada e encrustada nas algas do rio, e a minha senha é a número quinhentos e sessenta e cinco, e é só fazer as contas, quinhentos e sessenta e cinco subtraindo trinta e cinco, coço o pelo rapado da cabeça, e coço, e o raio do resultado fica-me preso na garganta,

- Quinhentos e trinta, a voz da raquel enquanto coloca na vertical os anzois pendurados nas mamas,

Claro que são quinhentos e trinta, eu sabia, só que os números entalaram-se entre uma côdea de pão e três dedos de fumo, e só amanhã ao final da tarde, isto é, só amanhã ao final da tarde se nada de grave acontecer,

- E o que poderá acontecer?, jeremias com os beiços entalados no arame do trapézio,

E tanta coisa que pode acontecer, cair um meteorito, levar com a peça de um avião nos cornos, levar com o próprio avião nos cornos, e é mais difícil acertar na chave do euromilhões, dizem os doutores da estatística,

- É mais difícil acertar na chave do euromilhões do que levar com um avião na cornadura?, questiona-se o apresentador,

E nem mais, nem mais.

Grita o público desdentado.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:44

A mediocridade do filho,

Da mãe que o pariu numa noite fria e escura de dezembro, a mãe que deixou de ver quando saiu de casa para comprar cigarros e nunca mais voltou, a manhã acelerada nos ponteiros das gaivotas, nas asas a bussola ensonada que no colchão da rua dorme profundamente, o exagero, a grandiosidade das sombras dos eucaliptos na serra semeada de ventos e mutilada nas mãos de um presidiário condenado à forca, da mãe apenas o cheiro de cigarros podres e lodo, o fundo do mar travestido de rochas e grãozinhos de areia, mando beijinho e espero que esteja tudo bem, assinado, a miúda parva, o bilhete esganiçado poisado na almofada, e junto à parede a alcofa coberta de teias de aranha, a mediocridade do filho agarrada aos testículos do pai,

- E tal pai tal filho, murmura-lhe a mãe da moldura encaixotada na garagem,

Palhaços.

Meia dúzia, dúzia e meia, e três pingos de saliva sobejam do canto esquerdo do lábio, o presidiário cospe firmemente que está inocente, eu não fiz nada, meia dúzia de palhaços, dúzia e meia de palhaços, três pingos de palhaços, e quantos são?, os sorrisos do presidiário, a corda grossa como um fio de sémen que se aproxima das horas, o laço à volta do pescoço fino e cru e mal criado, desce pausadamente do plátano que no jardim se inclina com a rotação da terra, estou pronto!, a voz do carrasco, o pénis abre os braços e engorda e o fio de sémen parte-se em pedacinhos, o presidiário pensa,

- Desta safei-me,

E o pénis emagrece no silêncio do carrasco.

E puxa e puxa e puxa, está quase, já lhe sinto a cabecinha, a velha isaura para a minha mãe, só mais um bocadinho… mais, e mais, é um menino,

- Deixá-lo ser, murmura a minha mãe enquanto segura o cigarro,

E oxalá amanhã esteja sol, e oxalá dezembro termine rapidamente, e oxalá diz a voz rouca do transístor,

- “Pânico nas bolsas leva PSI20 a afundar mais de quatro por cento”,

Lodo e rochas travestidas no fundo do mar,

Carcaças de barcos enferrujados na enfermaria, o soro que se derrama como seiva nas raízes dos plátanos, o carrasco a apanhar os pedacinhos de sémen para enforcar o presidiário, mastiga pastilha elástica para enganar a tarde e o vício dos cigarros perfumados, enfia a mão na algibeira, e a bolsa tropeça nas infinitas folhas de árvore que todas as noites se escondem no quintal,

- Deixá-lo ser,

Não quero um falhado como o pai, segreda a mãe à velha isaura, não quero que as nuvens cresçam junto ao rio, e não quero, não quero que dezembro faça parte dos calendários pendurados na parede da cozinha, a gaja nua e no outro o crucifixo que tomba no mosaico do pavimento, a porta abre-se e ela com dois maços de cigarros na mão e nos cabelos a espuma do mar,

- Desculpa filho, estava uma fila enorme na tabacaria, diz-lhe a mãe,

Vinte anos, vinte anos depois o regresso do mês de dezembro aos calendários, e a bolsa afunda-se nas ruas da cidade.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:54

Reduzam,

As freguesias

Autarquias

E o número de Tias,

Os hospitais

Escolas que estão a mais

E os Generais,

 

Reduzam,

Todos os jardins

E afins

E as pedras nos rins,

E não esquecer nunca a literatura

A gordura

E os buracos de fechadura,

 

Reduzam,

As pilas murchas da cidade

A felicidade

E a saudade,

Os candeeiros

Os paneleiros

E os petroleiros,

 

Reduzam,

Os feriados

Namorados

E os morgados,

A noite quando adormece

As mamas que fogueiam e aquece

O sémen dilatado da manhã quando desaparece,

 

Reduzam,

A puta que os pariu

O menino que sorriu

E fugiu,

Os barcos no mar

Deus que deixou de sonhar…

Mas nunca reduzir a palavra GRITAR…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:02

Será a vida o amontoado esqueleto

De pétalas emagrecidas na manhã?

Viver,

Morrer,

 

Ser

E não ter,

 

O mar que me abrace

Gaivotas na minha mão em beijos adormecidos

As ondas supérfluas

Que brincam na algibeira,

 

Ser

E não ter,

 

Mão para me agarrar

Quando o vento em fúria acorrentada

Se enlaça ao meus pescoço

E eu, e eu finjo que a fome é frio,

 

E que o rio é uma planície de malmequeres

E que os malmequeres são pessoas

Sombras despedidas no nada

Sombras abraçadas às ervinhas que o chão engorda,

 

Viver

Morrer

Ser

E não ter,

 

Em mim coração

Em ti braços para me alicerçar

Nuvens de espuma para me deitarem

Os malmequeres tombados na noite…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:56
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