Feldspato estrôncio,
Desempregado, e residente na rua cúbica de faces centradas, número trinta e oito, Lisboa, funde-se a setecentos e setenta e sete graus centígrados e ebuliu para a atmosfera a mil trezentos e oitenta e dois graus centígrados, perdido na obesidade da manhã, na algibeira os oitenta e sete vírgula sessenta e dois de peso atómico, Feldspato estrôncio, doutorado em casas de pasto e pós-doutoramento na noite prostituta de Cais de Sodré, e entre uma sandes e um cacilheiro, E para que fumas essas merdas?, a mãe de terço na mão a pedir proteção, E para que fumo estas merdas?, para emagrecer e esconder-me na sombra das garrafas de vodka, respondia-lhe ele, e eu subscrevo as palavras do senhor que falou antes de mim, para emagrecer e deixar de ser visto, levantar entre as botas semeadas na parada e poisar no tejo, não, não me enganei, o douro longe, muito longe, e poisar no tejo à espera do petroleiro cinzento e de asas cor-de-rosa, o meu nome gravado na quilha em letras bordadas com cerejas, e eu penso, e ele escreve, estamos os dois quilhados meu amigo, estrôncio para as amigas da noite, e para a restante população, O senhor professor doutor feldspato estrôncio está?, perguntava a menina das pizas, um momento que eu vou ver, sem hesitar a empregada de limpeza, e peço muita desculpa, mas o senhor professor doutor sentado na sanita a enviar telegramas para o governo, Como?, perguntava a mãe, é isso que acabou de ouvir, vou para angola, silabava o professor doutor, menos, menos, só estrôncio, silabava estrôncio para o esqueleto encardido da mãe, Que faço agora com a piza?, do primeiro andar para a rua a empregada de limpeza, Come-a!, o professor doutor feldspato estrôncio esquecido na sanita, Estás a falar a sério, meu filho, isso de ires para angola!, a minha mãe em lágrimas, A mãe não foi para angola?, e fui, O pai não foi para angola?, e foi, E eu, eu não fui construído em angola, e foste, lança-a pela janela, Não percebi Professor?, e ele tinha de explicar à empregada de limpeza como se lançava uma piza pela janela, olha minha filha, olha bem, sim professor estou olhar, abres silenciosamente a janela, E porquê?, corres o cortinado, Todo?, abres a caixa e retiras a piza com jeitinho, percebes, mais ou menos, Mais ou menos?, desculpe professor, não sei se é preciso luvas, Luvas para quê?, pegas na piza e em passos lentos aproximas-te da janela, E depois professor?, sei lá depois, olha para mim, sim professor, imagina a miúda que espetava pregos nas oliveiras a atirar pedras às cabras, e assim farei professor, assim farei, resmungava a empregada de limpeza, E para que fumavas aquelas merdas?, para emagrecer e esconder-me dentro de uma garrafa de vodka, entupir a sanita turca com os pedacinhos de vómito do jantar, muita pouca coisa, dois textos e três poemas, e se for capaz, diz estrôncio, e se for capaz de aterrar no beliche do rés-do-chão já me dou por feliz, isto é, sim estrôncio diz, isto é se não derrapar no corredor fino e comprido da calçada da ajuda, claro que não respondo-lhe eu, meia dúzia de metros e quatro ou cinco ratazanas, Só?, sim estrôncio, só.