Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jul 11

Feldspato estrôncio,

Desempregado, e residente na rua cúbica de faces centradas, número trinta e oito, Lisboa, funde-se a setecentos e setenta e sete graus centígrados e ebuliu para a atmosfera a mil trezentos e oitenta e dois graus centígrados, perdido na obesidade da manhã, na algibeira os oitenta e sete vírgula sessenta e dois de peso atómico, Feldspato estrôncio, doutorado em casas de pasto e pós-doutoramento na noite prostituta de Cais de Sodré, e entre uma sandes e um cacilheiro, E para que fumas essas merdas?, a mãe de terço na mão a pedir proteção, E para que fumo estas merdas?, para emagrecer e esconder-me na sombra das garrafas de vodka, respondia-lhe ele, e eu subscrevo as palavras do senhor que falou antes de mim, para emagrecer e deixar de ser visto, levantar entre as botas semeadas na parada e poisar no tejo, não, não me enganei, o douro longe, muito longe, e poisar no tejo à espera do petroleiro cinzento e de asas cor-de-rosa, o meu nome gravado na quilha em letras bordadas com cerejas, e eu penso, e ele escreve, estamos os dois quilhados meu amigo, estrôncio para as amigas da noite, e para a restante população, O senhor professor doutor feldspato estrôncio está?, perguntava a menina das pizas, um momento que eu vou ver, sem hesitar a empregada de limpeza, e peço muita desculpa, mas o senhor professor doutor sentado na sanita a enviar telegramas para o governo, Como?, perguntava a mãe, é isso que acabou de ouvir, vou para angola, silabava o professor doutor, menos, menos, só estrôncio, silabava estrôncio para o esqueleto encardido da mãe, Que faço agora com a piza?, do primeiro andar para a rua a empregada de limpeza, Come-a!, o professor doutor feldspato estrôncio esquecido na sanita, Estás a falar a sério, meu filho, isso de ires para angola!, a minha mãe em lágrimas, A mãe não foi para angola?, e fui, O pai não foi para angola?, e foi, E eu, eu não fui construído em angola, e foste, lança-a pela janela, Não percebi Professor?, e ele tinha de explicar à empregada de limpeza como se lançava uma piza pela janela, olha minha filha, olha bem, sim professor estou olhar, abres silenciosamente a janela, E porquê?, corres o cortinado, Todo?, abres a caixa e retiras a piza com jeitinho, percebes, mais ou menos, Mais ou menos?, desculpe professor, não sei se é preciso luvas, Luvas para quê?, pegas na piza e em passos lentos aproximas-te da janela, E depois professor?, sei lá depois, olha para mim, sim professor, imagina a miúda que espetava pregos nas oliveiras a atirar pedras às cabras, e assim farei professor, assim farei, resmungava a empregada de limpeza, E para que fumavas aquelas merdas?, para emagrecer e esconder-me dentro de uma garrafa de vodka, entupir a sanita turca com os pedacinhos de vómito do jantar, muita pouca coisa, dois textos e três poemas, e se for capaz, diz estrôncio, e se for capaz de aterrar no beliche do rés-do-chão já me dou por feliz, isto é, sim estrôncio diz, isto é se não derrapar no corredor fino e comprido da calçada da ajuda, claro que não respondo-lhe eu, meia dúzia de metros e quatro ou cinco ratazanas, Só?, sim estrôncio, só.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:25

Odeio o mar

Quando cabeceia contra a maré

E um finíssimo pingo de cabelo

Enrolado nos peixes

 

Os bracinhos pregados ao corpo

As barbatanas de asas

Suspensas nas rochas de areia

E dos lábios desprende-se um Ai…

 

Que no silêncio do fundo do mar

Finge-se de sombra

Pétala abandonada de rosa vadia

Sem casa para morar

 

Nem porto onde atracar

Odeio o mar

Quando cabeceia contra a maré

E a minha mão se afoga como um corpo desiludido

 

Com as teias de aranha

Cansado das ruas da cidade

Como um corpo sem fé

Quando o mar cabeceia contra a maré…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 17:55

A saliva da tarde

Misturada com os cigarros da solidão

E na minha boca a saudade

O infinito rio emaranhado em fios de seda purpurina

Nos socalcos da minha mão

Em sombras de silício sina,

 

Mergulho a cabeça no rio

Ou penduro-me silenciosamente

Nos ramos de um plátano com cio

E me abraço ao tronco caliente,

 

E é-me indiferente,

 

Os meus olhos com overdose de paisagem

O xisto no chão que me castiga

Os ossos circunflexos em viagem

E dentro de mim os murganhos em revolução

O mesmo lamento a mesma cantiga

A dor de quem não tem pão,

 

E é-me indiferente,

 

Os lábios sem cor

Os dentes encavalitados no céu-da-boca

O jardim em flor

E tudo isso coisa pouca,

 

Ou coisa nenhuma…

O douro é um amontoado de silabas deitadas na encosta

Sem barcos nem espuma

O douro: ou se gosta ou não se gosta…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:33

Entalado na garganta das coxas da mãe,

E as primeiras silabas, e as primeiras vogais, a primeira palavra esquecida na fralda de pano, as primeiras frases, os textos pendurados no estendal na sombra das mangueiras, no canto esquerdo da alcofa um pequeníssimos rádio a pilhas vomitando silêncios, e ele no sono profundo da tarde de Luanda, e nessa altura não sabia o significado de mar, e nessa altura não percebia o que eram barcos, e desconhecia que as gaivotas eram gaivotas e não papagaios de papel, nessa altura, eu era feliz, segreda-me ele,

- Fixar os olhos no gesso do teto e contar as estrelas da noite,

Segreda-me ele, o corretor do novo acordo ortográfico engoliu-me o C do TECTO, e no interior de milhões de estrelas um C à procura do teto, e repete-se na língua empapada da sopa de legumes, nessa altura eu era feliz, derramava as palavras amolecidas que saiam do intestino e mergulhavam na fralda de pano, O cheiro intenso a poesia!, recorda hoje a mulher encurvada nos anos e com os cabelos argamassados de neve, ele sentia as palavras na finíssima pele das nádegas e com um sorriso chamava as lágrimas aos olhos verdes do amanhecer, o rádio a pilhas cessava silêncios, e irritava-me olhar o enumerado de fuças em romaria à minha volta, como se eu fosse um deus minúsculo, rabugento e que passava a maior parte dos dias em sonhos perdidos nas planícies de Angola, enquanto folheio o álbum de fotos do meu pai,

- E uma e duas e três e quatro, em voz alta, e quando estou no momento de gritar a quinta estrela, finco os dentes no biberon, um arroto levezinho, e bons sonhos meu filho, com um beijo na testa, a mulher encurvada nos anos e com os cabelos argamassados de neve,

Lembro-me do meu pai em calções e a atirar pedras para o rio, ou seria eu?, questiono-me, esqueci-me e enquanto mastigo os pedacinhos de fotos do álbum dele, não pedras, meras paisagens deslumbrantes estacionadas debaixo da mesinha na sala de estar, lembro-me do meu pai a transporta-me às cavalitas, eu e os textos poisados sobre os ombros cansados da semana em corridas pelos musseques,

- O pigmeu de orelhas pontiagudas de braços no ar pensando que tocava nas estrelas,

Os musseques pesavam-lhe nos ombros e agarravam-se-lhe às pernas, e a bedford amarela em labaredas cinzentas pela boca,

Parvo hoje ainda não escrevi nada e só o farei à noite,

E a bedford amarela a derreter palavras no fim de tarde, os enzóis dos pássaros presos às folhas das mangueiras,

- E talvez consiga tocar na sexta estrela, pensava o filho da mulher encurvada nos anos e com os cabelos argamassados de neve,

E diga-me lá, senhor, diga-me lá, lamentava-se a mulher encurvada nos anos e com os cabelos argamassados de neve, e se não fosse eu quem lhe matava a fome,

E ainda ele entalado nas minhas coxas e as palavras dele misturadas com o meu sangue, e diga-me lá senhor, o que seria de mim se não fosse ela, os meus desabafos nas folhas de mangueira esquecidas no quintal de Luanda.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:12

O feitiço dos teus lábios

A majestosa sinfonia do teu olhar

No simplicíssimo teu sorriso

Com vista para o mar,

 

O descerrar dos cortinados da tua boca

E pendurar-me na janela dos teus braços

Agarrar-me com toda a força

No sofrimento teus cansaços,

 

Manusear-te como se fosses uma flor

Ou a madrugada a acordar

A preguiça desmedida dos teus seios

Para eu beijar,

 

Para eu brincar

No silêncio esquecido da madrugada

As flores do jardim encerradas na minha mão

Que segura a tua mão cansada,

 

O feitiço dos teus lábios

O fogo que se entranha nos teus cabelos emagrecidos

E aos poucos emergem na maré

Como barcos amarrotados e encardidos.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:02

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