Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jul 11

Tire as patas de cima do banco,

Enfunilado o revisor a atirar palavras disfarçadas de pedras aos meus ouvidos,

E eu expliquei-lhe que não tenho patas e tão pouco estacionadas no banco da frente, ele continuou viagem carruagem adentro, pica aqui, pica ali, e o barulho do alicate perdia-se na penumbra dos candeeiros seminus do teto, a luz trémula parecendo intrica, e aqui e ali e do outro lado também, o farol dos cigarros acesos na noite,

- E enquanto a minha cabeça cambaleava na sombra eu pensava, E hoje ainda não houve pancadaria!, que estranho continuava eu,

Que estranho as casas as árvores os jardins os pássaros os carros, a correrem diante dos meus olhos, e o  meu corpo estacionado num banco de napa cinzenta suja e semeada de restos de migalhas,

- Eu estou parado e as casas em movimento lamentava-se o meu companheiro de viagem, e tive de lhe explicar que não, repara digo-lhe eu, o movimento depende apenas do observador, E esperas que eu acredite nisso se eu estou a ver as casas em movimento?,

À nossa frente um casal de velhinhos e uma cesta de vime e um garrafão de vinho e boa vontade, convida-nos e eu respondo que não, e quando dou conta vejo o João atracado ao presunto e em voz alta, Este vinho é bom amigo!,

E devia ser porque ele chiava nas curvas, começava a inclinar o corpo…, e chão, o velhinho ajudava-o a erguer e logo em seguida agarrado ao presunto e ao tinto, e eu achava aquilo tudo um circo ambulante,

- Duas ou três roulotes, muita fome, uma trapezista magricelas, um cão e o cheiro intenso a sopa de feijão, o mágico que engolia argolas e vomitava baralhos de cartas, e meia dúzia de sombras a deitarem restos de moedas para um boné,

Amigo venha aqui enfiar uma buchinha!, chamava-me o senhor de idade, Esse gajo é esquisito, respondia-lhe o meu companheiro de viagem, e o boné a crescer de moedas pretas e sujas, deve dar para o almoço pensava o mágico, talvez dê para batom grunhia a trapezista, talvez chegue para mim sussurrava o cão empalitado junto ao candeeiro do jardim, não obrigado não tenho fome!, desabafo com o senhor de idade,

- O cão cuspia lume,

Deixe estar não me apetece comer, E o senhor é que sabe olhe que é de boa vontade, gente de Trás-os-Montes muito boa, segredava-me a trapezista depois do grandioso espetáculo de fome, e deixei de ver o João, e deixei de ver os velhinhos, e deixei de ver as casa em movimento, e deixei de ver o circo ambulante,

Encosto-me à janela, fecho os olhos, e quando acordo começo a ver os pilares da estrutura da gare de Santa Apolónia a entrarem pela janela, assusto-me, dou um saltinho e caio para o chão, e percebi que tinha chegado a Lisboa.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:14

Todos os dias,

Levantar

Comer

Lutar

Voltar a comer

Deitar

E adormecer,

Todos os dias,

O mesmo relógio de pulso

As mesmas horas esquecidas na mão

O mesmo corpo

A mesma solidão,

Todos os dias,

Os livros

As palavras

As letras

As minhas conversas parvas,

Todos os dias,

O sol

A noite a ser fodida pela lua

A insónia

A amargura nua,

Todos os dias,

Levantar

Comer

Lutar

Voltar a comer

Deitar

E adormecer,

Todos os dias,

Esperar a morte na paragem do elétrico

Cansar-me das sombras do néon da cidade

Meter a cabeça num alguidar de água salgada

Fingir que é o mar da saudade,

Todos os dias,

A ganância do dinheiro

Na economia enlouquecida

Sobe, sobe, sobe dinheiro cu acima

Sobe… e não tenhas medo da subida,

Todos os dias,

O espelho dormente

A boca cansada dos cigarros imaginários

O fumo que me entra nos ouvidos

E me sai pelos ovários,

Todos os dias,

O poeta que me mente

E afirma que o mar entra pela janela

Vai-te foder “AL Berto” porque pela janela só entra gente,

Todos os dias,

E moscas

E abelhas esfomeadas

Todos os dias

Palavras envenenadas,

Todos os dias,

O meu corpo emagrece

Diminui de tamanho

Inerte nos resíduos da rua

Todos os dias toma banho,

Todos os dias,

Asseado

Mal-educado

Fornicado

Esganado

Cansado

Triturado

Todos os dias,

Todos me fodem

Tos me querem comer

Todos e até os pássaros

Escrevem que vou morrer,

Todos os dias,

Luto para viver…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:22

Desistir dos sonhos,

Por mais braçadas que dê o meu corpo afunda-se numa nuvem de sofrimento, das ondas gigantescas, correntes de aço prendem-me ao fundo dos grãozinhos de areia, e as algas agarram-se-me às pernas finas e cansadas, comem-me os olhos verdes, dilatam-se-me as mãos, e “the end” impresso na minha testa,

- The Doors em mergulhos semânticos nas entranhas do amanhecer, ele aos poucos morre, cansa-se do pai, cansa-se da mãe, cansa-se dele,

Cansa-se da vida construída de sonhos,

E os sonhos não são mais do que um projeto, uma folha de papel A0 com estruturas complexas, cálculos, aço, tudo o que imaginamos e que nunca seremos capaz de construir, uma vezes por culpa nossa, outras, outras pelo prazer dos outros,

- Um falhado, é o que tu és, quem já mo tenha dito,

Muita gente,

Ouço essas palavras desde menino quando me colocavam um pindérico rádio a pilhas junto à cabeça, eu olhava o teto e adormecia com o silêncio dos sons, hoje não adormeço, hoje não vivo, hoje, hoje por castigo transporto duzentos e seis ossos construídos de poeira, hoje tenho noção que sou uma “merda”,

- Uma “merda” em três páginas de currículo, e por favor, por favor não se aproximem de mim,

Porquê?,

Porque a quem se aproximar de mim alguma coisa lhe vai acontecer, ou fica doente, gravemente doente, ou morre,

Desistir dos sonhos,

Limpar o rabo ao sonhos, e esperar, esperar que a vida cesse,

- Sentado no xisto a olhar o rio e a contar socalcos,

E a vida num vagar cansativo, cessa,

The end.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:41

De que me servem as palavras

As silabas e as vogais

De que me servem os livros

E os jornais,

 

De que me servem as mãos

E um relógio de pulso ancorado

Uma mosca poisada no prato de sopa

Vazio e magoado,

 

De que me servem as palavras

Amarradas a um texto desesperado

Seios púbis e coxas

Do teu corpo mutilado.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:45

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