Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

17
Jul 11

Vinte e duas horas. Da rua ouve-se o vento enfurecido da noite, ao longe o mar, as lâmpadas de um barco iluminam a janela da sala, e ela deitada no sofá sonolento do néon pendurado no teto, com a mão poisada no cabelo e com os meus lábios perpendiculares aos ouvidos dela digo-lhe, Amor, vamos deitar!, ela olha-me e sorri-me e na voz cansada dos lençóis que a esperam diz-me,

- Já são horas?,

Acaricio-lhe a face, sento-me junto a ela e respondo-lhe que sim, Sim amor, já são horas!, ela suspende as mãos no meu pescoço e em chantagem diz-me que só vai dormir se eu a levar ao colo, e eu penso, Ai é!, levanto-me, e com um braço pego-lhe nas pernas e com o outro entre o sovaco e o seio levanto-a do sofá cansado e levo-a para o quarto, e ela em gritos no silêncio da sala,

- Parvo vais deixar-me cair, pára parvalhão, e és tão parvo,

Enrola-se ao meu pescoço como uma cobra que desce de uma árvore, custa-me respirar, ela em cócegas começa a torcer-se com se fosse o vento a acariciar-lhe o caule tenro da tarde, deito-a sobre a cama e em voz meiga digo-lhe para se despir, tomar banho e caminha, ela provoca-me,

- Não me queres dar tu banho?,

E eu num dilema; dou-lhe ou não banho!, e decido não dar, será melhor para os dois, ela despe-se e em provocações demoradas vai tirando a roupa, ela nua em direção à casa de banho, ouço o ruido da água e no espelho do quarto o vapor que emerge do corpo dela, imagino-lhe os seios, imagino-lhe as coxas, imagino-lhe os lábios humedecidos da noite, deito-me sobre a cama e perco-me nos minutos, a água cessa e ela entra no quarto com a t-shirt vestida, branca, e o púbis sorri-me e olha-me, ouço-lhe na voz do banho,

- Agora amor, vais ter de me contar uma história!, Uma história?, respondo-lhe embriagado na sonolência da noite, sim amor, uma história,

Eu digo-lhe que não sei nenhuma, e ela, claro que sabes, Sim Amor?, uma só, sim, está bem, está bem,

- E começo a contar-lhe a história de uma menina que atira pedras às cabras e espeta pregos nas oliveiras,

Ela em sorrisos, e desabafa, miúda safada essa, eu abano a cabeça que sim, miúda safada essa,

- E às vezes perdia-se no meio do trigo e escondia-se na sombra do milho,

Ela fecha os olhos, adormece lentamente nos meus olhos, dou-lhe um beijo na face e desligo a luz do candeeiro,

- Até amanhã amor,

E ouço a voz dela nos sonhos,

- Até amanhã parvalhão.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:50
tags: ,

Queres uma namorada?,

Uma página do facebook que me olha,

E pergunto-me Porquê uma namorada?, e logo em seguida outra página Mulheres procuram homens!, o meu pensamento mistura-se no fumo do cigarro e complica-se na leitura do texto, a escrita foge-me dos dedos e as teclas do portátil colam-se no monitor de treze polegadas, o Toshiba suspira, a minha mão treme,

- Está tudo doido, a voz dele cansada no vidro da janela, e prossegue com a análise desastrosa dos anúncios que proliferam no facebook, Preciso de uma página para encontrar uma namorada?, foda-se escrevo eu na porta da biblioteca, sou mesmo um atadinho, E elas?, perguntam-me, Que têm?, Elas para encontrar homem necessitam de um endereço de Internet?, Está tudo doido!, diz-me o vidro da janela,

Deixem-se de merdas lamenta-se o cortinado, Será que vocês mulheres precisam de uma página para encontrar homem?, e o cortinado volta à carga, E vocês homens, para encontrar namorada precisam de uma página?,

E eu preciso de um trabalho!, para que quero uma namorada?,

- O cortinado de olhos pendurados na bananeira a murmurar no passeio de cimento Está tudo doido!,

E eu digo que sim ao cortinado.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:56

O alicate da tarde a mutilar-me os dedos

Os resíduos dos cigarros aprisionados às minhas unhas

E da pedra de xisto onde me sento

A maré de suor que encharca as minhas nádegas poeirentas

 

Esqueço o cigarro nos lábios

E ele extingue-se

Subtraio um Ai à dor da cinza em brasa

E o pássaro que poisava no meu ombro foge

 

Esconde-se nas mãos da amoreira

E eu aos poucos adormeço na sombra

E finjo que chapinho a mão na água salgada do mar

E sinto um petroleiro que me entra pela garganta

 

Atraca-se-me ao estômago vazio

E a âncora agarra-se-me aos intestinos

De dentro de mim os arrotos das silabas

Contra as paredes da tarde

 

Cerro os olhos e sinto no pulso as horas em movimento

E o petroleiro a despejar o petróleo no meu corpo

O carbono evapora-se-me pelas narinas esquecidas nos cigarros

E percebo que dentro da minha cabeça voam borboletas

 

Abro os olhos

Olho-me ao espelho das mãos

Não vejo o alicate da tarde e à minha volta não existe mar

Estou sentado numa rotunda debaixo de uma amoreira…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:39

Sou prisioneiro de uma fotografia

Suspensa na parede da sala,

Fardado sobre um carro militar enferrujado na sombra de Belém, nas botas o esparguete com queijo derretido e ao fundo a ponte que abraça Lisboa e Almada, o rio não o vejo mas sinto o cheiro intenso de perfume que os barcos transpiram de margem a margem, minúsculos automóveis movem-se como mosquitos sobre o estrume esquecido na eira, e o vento ergue-me a boina e depois de alguns metros voando sobre o escaldante asfalto da parada, cai de barriga para baixo e não consegue levantar-se,

- O pânico de perceber que estou sentado num veiculo de museu e de cabeça descoberta, ao cabelo o vento nada faz, porque o meu cabelo ficou junto ao portão quando entrei no mês de maio,

A aflição minha, Será que se magoou?, ao que ela me responde que não, apenas alguns aranhões e pouco menos, mais descansado fiquei,

- Desço como se fosse a sombra no fim da tarde a entrar nas coxas do tejo, dou uns passinhos, baixo-me e apanho-a, e ouço um Ai na voz rouca da boina,

O corneteiro em toques desafinados, a hora de saída, a esplanada frente ao museu dos coches que me espera, a descer a calçada um carro desgovernado e em gritos abstratos,

- Saiam da frente, saiam da frente, saiam da frente,

Os travões em levantamento de rancho, e eu pensava Quem consegue comer esta porcaria?, digam-me, Já viram estas raquetes da tropa?, a solha no tejo a descongelar, e eu voltava a gritar, Já provaram estes malditos cordões da PE?, e o esparguete sonâmbulo no corredor da messe,

- Saiam da frente, e os pés deslizavam sobre o paralelepípedo da descida, E não é que o caralho do carro bateu com a focinheira na esplanada!, o policia agasalhado na multidão a contar a mesma história a cada nova sombra que chegava,

E depois de o ouvir pensei, Foda-se, e se eu lá estivesse sentado como estou em todos os fins de tarde?, a bola de Berlim tombava, a chávena e o pires às cabeçadas contra a retrete pública, desciam as escadas e entravam, e um cabrão a olhar-me a pila como se ela fosse uma rosa nos jardins de Belém,

A sopa de pedra uma merda suspensa na sanita tuca, e duas fardas na brincadeira atiram com uma bota militar para dentro do pote enorme de sopa, as bocas suspensas, e os pensamentos misturados com o vapor da cozinha, E agora?, e alguém se lembrou de procurar a verguinha de aço que servia para desobstruir as condutas do saneamento, arregaçou as mangas da farda e pescou-a,

- A unanimidade na sala de que a sopa estava divinal,

E estava.

E estou, sentado no sofá a olhar para uma fotografia com alguém que não conheço, nunca fui eu, reconheço a ponte, reconheço o carro enferrujado, mas a farda que está sentada sobre ele é-me completamente estranha, e penso, e penso,

- E se algum dia este gajo me entra porta dentro?

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:59

Julho 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9






Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO