Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

20
Jul 11

O desejo de viver entrelaçado nas estrelas da manhã,

O ar que respiro das palavras que escrevo e que não me servem para nada, para uns sou louco, para outros, nada, um conjunto vazio, o zero invisível na madrugada, a força constante num segmento de reta quando se extingue na ardósia da tarde, as palavras morrem depois de as escrever, leio o texto, e deixa de fazer sentido, ele pergunta-se, e eu também me questiono, Para quê?, Porquê?, quando fiquei frente ao tejo a contar os automóveis que passavam e os meus olhos prenderam-se ao comboio em passos apressados para Cascais, e desde aí, desde aí nunca mais tive olhos, a cegueira completa de mim quando olho um rio, e nunca sei, nunca sei se esse rio corre para o mar ou o mar que corre para esse rio, E quando o mar se evapora e de deixa de existir?, e ela tem razão, a roseira que me pica os braços que por sua vez noutros tempos quase picados pelas abelhas de êmbolo, e eu, e eu adormecido na noites e via a agulha a tentar absorver-me, eu fingia-me morto, baixava a cabeça e a agulha procurava outro corpo, outros braços presos ao teu pescoço, o comboio acena-me e a minha distração estampada no meu rosto, conversava com os arbustos que me olhavam e me diziam,

- Um dia as  palavras vão fazer sentido, e eu cuspia-lhes no rosto e em voz mergulhada nas pedrinhas dos passeios respondia-lhes que não, as palavras nunca fazem sentido,

E quem as lê constrói sentidos, sentido proibido, E agora é que me dizes que é sentido proibido?, se te fosse foder arbusto, quer dizer, quer dizer depois de entrarmos nas coxas de sentido proibido é que me avisas que é sentido proibido, olha digo-lhe eu, vai mesmo assim, e quero lá saber,

- As tuas palavras não fazem sentido porque tu não sabes escrever, diz-me o arbusto e continua, e sabes, não sabes escrever nem sabes fazer nada, és um absoluto zero,

Os cubos de gelo derretem-se nos arbusto por baixo do umbigo e ela com a mão acena aos veleiros estacionados em Algés, ele a cultivar o terreno agreste do corpo dela, e a terra em gemidos no rego de água começa a levantar-se e a remexer-se no chão alcatifado do quarto, junto ao rodapé a nespereira plantada pelo avô em centímetros de altura, e debaixo da cama o feno fresco da manhã para a amarela, a vaca poisava os cornos sobre a mesa-de-cabeceira e suspensa nos cornos da vaca as cuecas dela desenhadas numa noite de verão ao balcão de um bar,

- Ignorante, o arbusto para mim, e cada vez que acariciava as pernas dela ele não me deixava esquecer que o vento passa e nunca mais volta, e porque será, perguntava-me ele, E porque será?

O terreno do corpo dela macio e em pedacinhos de algodão, a janela aberta, a rua deserta, os pedacinhos que se despregavam dos ramos e saiam janela fora, o vento as levava como leva as minhas palavras, E para quê?, o arbusto a sorrir-me, ela enrolava-se nos lençóis da cama onde em cada sessenta minutos corpos carnudos e corpos emagrecidos poisavam como fios de sémen na gruta do púbis, e os combóis de Cascais interrompiam-se nas coxas dela, o maquinista saía fora e lançava um berro contra o segundo andar da pensão,

- É para hoje,

E uma voz de silêncio respondia-lhe que estava quase; falta pouco.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:24

A brisa dos teus lábios

Quando acorda na minha boca

E as minhas mão em concha

Deixam-te louca,

 

Encosto-as ao teu ouvido

E ouves o mar

Os teus braços ancoram no meu pescoço

No desejo de me beijar,

 

A brisa dos teus lábios

Que em pedacinhos de nuvem adormecem no meu peito

E o meu coração uma espiga de milho

Suspensa no teu leito,

 

Sem jeito tropeço na tua sombra

E dos teus seios o infinito amanhecer

As horas cansadas morrem no meu pulso

Quando sinto a noite nascer,

 

A brisa dos teus lábios

No odor das gotículas da tua pele

Não morras noite

Porque se a noite morrer acaba-se-me o mel.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:16

O meu corpo alimentado

Pelas larvas da manhã

Servido na bandeja da tarde

Enfeitado com cardos da montanha

 

As pedras onde me sentei

E correram para o mar

Das pedras nasceram flores

Das sombras das pedras cansam-se as borboletas

 

O meu corpo entalado

Na garganta da solidão

Que arde na fogueira da dor

Que se enterra no túnel da maré

 

E do lodo que me cobre

As quilhas sobre mim nas ruas da cidade

Os candeeiros que tropeçam nos meus braços

E dos bancos do jardim fica a saudade…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:52

Sobre mim as sombras do meu quintal

Os azulejos do meu peito agoniado

Em migalhas evaporadas na maré

Inerte na penumbra manhã

 

Cansado no desejo dos ramos envelhecidos

O meu corpo range e os alicerces em ruinas

As mãos despegam-se dos braços

Como espigas de milho quando tombam na água

 

O meu corpo não presta e é lixo

Meia dúzia de ossos e parafusos

Na procura do aço de que é construído

E que se derreteu nos engasgos dos pássaros

 

Tu és lixo dizem eles

E escrevem nas paredes imaginárias dos olhares

E quando por mim passam

Baixam a cabeça e dobram-se como cobras rastejantes

 

Metem-me nojos os homens e mulheres

Que quando acordam não se veem ao espelho

E não se dão conta quando sentados na sanita

Que deles e de todos nós sai merda

 

E que cagamos e mijamos

Duas três vezes ao dia

Não importa o dinheiro não importa a beleza

De dentro de todos nós nasce merda

 

Resíduos que proliferam nos rios ruas ou ruelas

E alguns até são doutores

Engenheiros ou agricultores…

Ou putas donzelas

 

Eu sei que o meu corpo é lixo

Percebo que a minha vida seja lixo

E que não passo de um miserável

Mas não precisavam de escrever nas paredes imaginárias

 

E não precisavam de me apontar o dedo

O meu corpo é lixo

E eu sou os resíduos da sanita

Mas na mistura da merda que sou

 

Vivem milhares páginas

Milhares de poemas

Que de nada servem…

Porque alguém decidiu que eu sou lixo.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:49

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