“Peço-te que me ajudes, a mim e a ela, sem te oferecer nada em troca, e se nos quiseres ajudar, nós agradecemos, se não te for possível, compreendemos e não te vamos chamar nomes, e não te vamos insultar, e não vamos de joelhos ou caminhar como loucos, apenas para te agradar, apenas para fertilizar o teu estúpido orgulho, e dinheiro nem pensar, porque não o temos”, gemia o maluco dento da caixa de sapatos.
O complexo universo da noite quando desce sobre o tejo nas pequeníssimas roseiras das estrelas e do outro lado da margem o automóvel engarrafado na garganta da dor, treme-lhe a suspensão e dos olhos fundem-se os médios na mesa-de-cabeceira, o cobertor desenlaça-se e encosta-se à ponte, e no travesseiro a cabeça do cacilheiro atulhada de sombras, despeço-me do rio, caminho apressadamente e vou de encontro ao guarda-fato bêbado que procura no rodapé a vodka da noite passada, a mesa-de-cabeceira em ais e no guarda-fato os cabelos que se soltam da peruca embainhada do comboio para o porto, e passando santarém o frio que desce nas costas e acaba por finar-se nos testículos incendiados nas curvas dos carris,
Eu tenho fome, Eu tenho frio, E eu não consigo dormir com este granel todo, detrás de mim ouço uma voz em silabas cansadas, E a mim veio-me a menstruação, as dores de cabeça, a barriga às cabeçadas na porta do estômago, as lágrimas da noite e a perfeita magnitude do meu corpo quando se dobra sobre o tapete, oitenta mililitros de líquido que se abraçam às paredes da lua, e a lua de mão dada com as fases, folicular ovulatória luteiníca, e eu respondo-lhe que descanso nunca fez mal a ninguém, e dizem, e dizem que o próprio deus descansou ao sétimo dia, e alguém pergunta, Sete dias para fazer esta porcaria?, curvas e contra curvas entranhadas nas mãos dos socalcos, pela janela o rio douro que dorme na madrugada, uma estrela aqui e outra ali que espreita nas casas empoleiradas na encosta, e ao longe o cheiro intenso das fases lunares…, e penso, Deve ser o pinhão,
Finalmente. A mochila em construções nas asas da manhã que aos poucos acordava da sombra do douro, pesadíssima, durante a viagem engravidara de um militar enferrujado dos desperdícios da cozinha, junto à piscina, onde se banhavam os cavalos depois de penteados, e quando acordo na gare deserta, ninguém, ninguém esperava por mim, um gato atravessa a carreira de tipo e morre, em pedacinhos as peças espalhadas na arreia, rodas para um lado, faróis para o outro, mais ao lado a cambota que ainda dava roncos, e sargento mecânico a apanhar os pedacinhos para um saco escuro,
Borro-me todo só de pensar que tenho de andar quinze quilómetros a pedantes daqui até alijó, esgrimia-se ele entre os postes de iluminação,
Deixa o pinhão na sombra do rio, passa por vale de mendiz e quando chega à curva apertada da fonte cessa de caminhar, pega na mochila grávida e atira-a rabina abaixo, soltam-se uns gemidos, e nasce o dia.