Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

04
Ago 11

“A TERRA É DE QUEM A TRABALHA E O FRUTO DE QUEM O COLHE“, deixaram eles escrito no papelão da noite na horta do tio Serafim,

 

- Malandros, tantas horas de trabalho, e tantos dias de canseira, e para quê? Resmungava o tio Serafim enquanto retirava o papelão espetado na terra húmida do amanhecer,

 

E lamentava-se das lindas couves, das brilhantes alfaces, e dos tomates e dos pimentos, de tudo, e até contra o governo, como se este tivesse culpa do sucedido, e em passos repentinos começa a lavrar a horta com as botas pesadas dos tempos da guerra quando saltitava entre o capim e ouvia durante a noite o rosnar dos mabecos, e às vezes deixa-se adormecer no quartel do Grafanil, e quando ao final da tarde saía em direção à cidade via um menino sentado sobre o portão com um papagaio de papel, um rolo de cordel à espera do avô que durante o dia passeava machimbombos nas ruas de Luanda,

 

- Isto nem dá vontade de trabalhar, a gente trabalha e eles colhem, a gente adormece e eles invadem-nos os quintal, servem-se e nem obrigado, e enquanto ouço o tio Serafim vem-me à memória quando ele em Lisboa, durante a noite, saltitava de tasca em tasca, perdia-se nos fados, e dizia que era artista, cantava quando estava bêbado, e percorreu milhas de sofrimento dentro dos bacalhoeiros rumo ao Pólo Norte,

 

Um dia cismou que ia para o Brasil, chegou a Cais de Sodré e ficou-se na noite, e quando regressou à aldeia muitos anos depois, embrulhado num fato branco e chapéu, a voz sumia-se-lhe no correto Português do Brasil, e de adega em adega e em golinhos de vinho verde cantava o fado com sotaque Brasileiro,

 

- Fui, e enquanto ia o chapéu tapava-lhe os olhos, e pelos caminhos desérticos e escuros cantarolava qualquer coisa inaudível,

 

Tropeça nas calças do senhor abade e vai de encontro ao crucifixo granítico do largo da aldeia, puxa de um cigarro, olha as estrelas da noite de Luanda, ouve o mar que se enrola na marginal, e cai no chão como uma manga que se desprega da mãe,

 

A noite desliga-se e dorme, e o tio Serafim tira da algibeira o lenço de seda, leva-o aos olhos e limpa as lágrimas, e alguém que passa lhe segreda,

 

- A vida de artista é fodida, não é amigo?,

 

O tio Serafim encolhe os ombros, e em silêncios responde-lhe que não sabe, e enquanto olha a terra trucidada pelas pesadas botas da guerra recorda-se das alfaces, das couves, dos tomates e pimentos que ainda ontem lhe sorriam…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:32

De espingarda apontada à cabeça

Acredito que esta pode encravar,

 

Não tenho medo de passar fome

E viver miserável

Mas não rastejo aos pés de palhaços

Nem tão pouco ignorar meu nome

Vivo saudável

E abro os braços,

 

Chega senhores…

 

Chega de tanta tristeza

Chega de tanto envergonhar

E não há pior beleza

Que no chão rastejar,

 

Pobres doutores

Pendurados em castiçais

E não há alma que não esqueça

Os uis e os ais

E destreza

De pássaros que não podem voar…

 

Pobres pardais,

 

Não me vergarei

E só digo sim quando me apetecer…

Porque desde que aqui cheguei

Há muito muito tempo

Esta terra tinha vento

E agora… agora só tem almas a morrer.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:06

Só sairei de Alijó quando eu quiser

E por minha vontade

Não porque o doutor quer

Em seus sorrisos de vaidade,

 

Cheguei primeiro

A esta ilha desgovernada

E se alguém tiver de sair

Saia o doutor risada

Vá-se embora de madrugada

E leve todos os cães e cadelas

Que se ajoelham e lambem botas e rezam no altar de fingir

Porque Alijó era terra de paisagens belas

 

E agora parece ruir,

Ai, ai doutor risada

Que não deves conseguir dormir

Com tanta trapalhada,

 

E um dia vais cair

Tu e toda a escumalha

E Alijó voltar a sorrir

E pertencer a quem trabalha,

 

Só sairei de Alijó quando eu quiser

E por minha vontade,

 

Adeus doutor risada

Vai-te embora e leva a escumalha

E enfia as botas cu acima,

Que palhaçada

Humilhar-se quem trabalha…

É esta a sua sina!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:02

Sumiu-se no fumo da tarde

O sorriso da gaivota

Do cigarro que arde

Em cigarros de revolta,

 

Poisa a mão o enforcado

No peito da árvore adormecida

Tomba o corpo cansado

Na tarde envelhecida,

 

Sumiu-se no fumo da tarde

O sorriso da gaivota

Do cigarro que arde

No cigarro que não volta…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:53

Saboreia na manhã o cachimbo em espuma do mar,

O fumo dilacera-se contra os ponteiros do relógio esquecido sobre a prateleira onde se abraçam livros, um barco rabelo em estanho, uma gaivota em marfim, e uma bola de cristal onde consulta os oráculos da vida, um cinzeiro de madeira encosta-se ao velho dicionário que há muito deixou de ter significado, e uma peça de louça representa uma batalha perdida com cavalos sonâmbulos e espadas de plástico, mais abaixo a bandeira de Angola e o cachecol do F. C. Porto, um busto Egípcio na sombra das pirâmides na procura das curvas do Nilo, e um crocodilo em pau-preto desembarcado em Lisboa e domesticado na paisagem do Douro,

 

O cheiro aromático do tabaco entranha-se-lhe nas mãos desgostosas de Agosto e uma tela suspensa na parede olha-o sem perceber que as acácias deixaram de florir e as árvores quando nasce o vento fincam os braços à tarde e não sorriem aos pássaros vindos das nuvens na busca de asilo,

 

Os barcos do Tejo passeiam-se dentro do minúsculo cubículo da saudade e na cidade acabada de acordar poisa levemente a manhã, sento-me nas ripas de madeira do banco de jardim e finjo olhar o rio engasgado nos detritos das gaivotas, crianças de sorriso esquecido brincam na relva incendiada pelo sol e na minha mão uma erva enfeitada de cordéis e lacinhos de seda mistura-se com o cachimbo em espuma do mar, e extingue-se nas manobras complexas de um cacilheiro,

 

No chão alguns livros aguardam o visto para a viagem até as prateleiras e enquanto a embaixada da literatura e o embaixador da minha pessoa não decidem, porque estas coisas têm o seu tempo, a mãe dele na pregação diária Quando arrumas os livros?, explico-lhe que não os posso arrumar sem ter toda a documentação necessária, passaporte, visto de entrada na prateleira e respetiva passagem de barco, e ouço o cacilheiro nas manobras complexas a atropelar um peão bêbado e com um saco de pétalas na mão,

 

Levanto-me do banco de jardim e corro até ao rio, o homem encolhido no suor da manhã está inconsciente e o saco de pétalas que com o embate se tinha rasgado padecia em pedacinhos de algodão, e as pétalas perdiam-se na água, do cacilheiro a voz do capitão Este gajos não sabem andar no rio!, e explicava-me que o semáforo estava verde e que o bêbado é que tinha de parar, e respondo ao capitão Parar se o homem é daltónico?,

O velhote em gemidos e ais Sei lá eu distinguir o verde do vermelho, a manhã da tarde, a noite do dia…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:27

Todos precisamos de sobreviver e quando a montanha não vem até nós, vamos nós ter com a montanha, e desistir é morrer, roubar ou vender droga não vou porque já não tenho paciência e já estou destreinado das poucas gramas que vendi no passado (09/05/1994) para sustentar o vício e o senhor capitão carvalho na minha peugada, portanto resolvi passar o blog Cachimbo de Água de digital a papel, nunca claro deixar de publicar em digital.

Uma história e três ou quatro poemas, cerca de 10 páginas ao custo de 1,50 € ou 2,00 €, duas vezes por mês.

E se conseguia consumir uma grama por dia sem ser necessário roubar também certamente serei capaz de sobreviver a vender folhetins, porque quem não tem emprego, porque quem não tem subsídios de coisa alguma, de alguma forma tem de sobreviver; ou roubar ou vender droga.

Prefiro os folhetins.

 

Quadros à venda em:

http://milove.blogs.sapo.pt/

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:14

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