Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

05
Ago 11

Cada milímetro quadrado da tua pele que acaricio com a minha mão uma estrela se acende no céu,

 

Um eletrão corre apressadamente no espaço e embate nas flores poisadas sobre a mesa da sala, uma cadeira ausenta-se e um lugar fica vago, deixei de existir, e apenas o meu retrato pendurado na parede, alguns livros que sobraram da troca de sopas de peixe e garrafas de vinho, marmelada caseira ao pequeno-almoço entre o pão envelhecido e duro e cansado, formigas atacam-me e sobem-me pelo corpo e entram pelo nariz, oiço na alicerçada mesa da sala a minha voz engasgada, e nos meus pés uma pulseira de metal prende-me à perna da mesa, estou só, completamente só, e depois de proferir estas palavras nunca mais vi e ouvi o meu pai,

 

Contaram-me que desapareceu quando dos cigarros crescia nevoeiro e nos dedos os alicates da tarde e barcos estacionados, deixou a lambreta dentro do álbum das fotografias, atravessa o rio Cuango e pela manhã acorda no antigo Congo-Belga, fez-se à vida, foi protegido pelos soldados da ONU numa fazenda a mendigar arroz com chouriço duas vezes por dia, durante trinta dias, e quando o receituário do doutor Camacho termina regressa novamente a Luanda, tira a lambreta do álbum de fotografias e passeia-se pela marginal,

 

Estaciona-se junto à estátua da Maria da Fonte,

 

Todos morreram excerto eu e a medalhinha que trazia pendurada ao pescoço com a inscrição do número treze, nunca ninguém percebeu porquê o treze e nunca ninguém lhe perguntou, Coisas minhas, dizia-nos ele, e também eu tenho coisas minhas,

 

Um cravo de uma ferradura que me acompanhou durante anos e anos, e que numa noite de bebedeira desapareceu pela janela do quarto enquanto eu dormia aos soluços e em arrepios de frio, existe um crucifixo suspenso num fio de oiro que deixei de usar quando descobri que era ateu e um golfinho em marfim oferecido pelo velho caricas, e três caixas com as porcarias que escrevia na adolescência,

 

E desde que perdi o cravo da ferradura a minha vida começou a andar ao contrário,

 

Agora que estou só nada me prende a esta terra, acordo e a mesma angústia que sempre senti desde que regressei de Angola, a dor intensa no peito, a respiração manhosa e em marcha atrás e o meu vizinho a acenar-me na noite Venha, Venha mais, Venha, Venha ver a merda que fez…, e o meu corpo lançado contra a saliva dos lençóis, e o meu corpo em pedacinhos de manga comido pelas pombas ao final da tarde enquanto o pôr-do-sol se despede do dia,

 

Cada milímetro quadrado da tua pele que acaricio com a minha mão uma estrela se acende no céu, a noite fica dia e o sol adormece nos teus seios de cerejas vermelhas, no teu umbigo deita-se a minha cabeça e do teu púbis oiço a voz silenciosa do mar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:59

Adormeço os meus lábios na doce almofada da noite,

 

A minguada sombra do meu corpo projetada na parede, Estou tão magro, mãe!, pergunta-me porquê, e que nem eu sei, segredo-lhe com um beijo na face amarrotada dos anos e das canseiras da vida,

 

Provavelmente das geadas de inverno, provavelmente dos socalcos do Douro, provavelmente da idade, provavelmente porque envelheço duas vezes ao ano, adormeço várias vezes por noite, e caminho diversas vezes durante o dia em círculos à volta da fogueira, a cinza do cigarro dilata-se na minha mão que não serve para nada, nem para acariciar o rosto de uma flor, nem para poisar sobre o vento,

 

E ficas tão bonito quando desfazes a barba!, e digo-lhe que não sei, Não sei mãe, nunca me olho no espelho do quarto, tenho medo, e possivelmente deixe de desfazer a barba e cortar o cabelo,

 

Ser livre como as árvores de ramos ao vento, voar como os pássaros e poisar onde me apetecer, ser livre enquanto o meu rosto adormece na doce almofada da noite, e as minhas mãos chapinham nas ondas do mar, Fiquei desiludido, mãe!, a voz dela cansada Porquê, meu filho?, e as minhas palavras colam-se no silêncio da ténue luz do candeeiro, Li um poema de AL Berto em que ele dizia  “o mar entra pela janela”, e noite após noite, Mãe!, nem o mar nem notícia boa,

 

Porquê, Mãe?,

 

Adormeço os meus lábios na doce almofada da noite, em vez de o mar entrar pela janela entram-me as ruas de Lisboa, o Tejo e os cacilheiros, Belém e o comboio para Cascais, os jardins e a ponte, os carros estacionados na peugada do engate e mangalas que faltam pela janela e se suicidam à porta de armas, e o sargento em pedacinhos de enjoo apanha os desperdícios que vacilam pela calçada, ao fundo o rio, E adormeço, mãe!, e quando acordo, Quando acordo, mãe, não existe Tejo, não existem cacilheiros, não existe Lisboa, O que existe, mãe?, apenas o cheiro dos bares de Cais de Sodré às cinco da manhã, e a pé até Belém acredito que amanhã está sol, E sabes, mãe?, vou à janela e não sol,

 

Nuvens penduradas no céu e vontade de fugir.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:56

País de bananinhas

E amendoins

Que brincam nas carteirinhas

Atiram papeizinhos e afins,

 

Brincam com o telefone

E gozam o povo desesperado,

 

Pais de bananinhas

E amendoins

Este povo tem fome

Este povo está cansado.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:01

Vai o mar

E não volta

Em teus lábios de beijar

O sorriso da gaivota,

 

Em tua mão eu poisar

O meu silêncio neblina

Regressa o mar

Ao teu corpo de menina,

 

Vai o mar

E não volta

E se evapora ao acordar,

 

E do vento amanhecer

Grita no areal a revolta

A criança a sofrer…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 09:33

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