Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

07
Ago 11

A charrua que se incendeia na tarde escaldante do Douro e se entranha no meu peito, o rio escorre-se-me dos silêncios do xisto, e quando poiso a mão nos socalcos uma águia se evapora nas nuvens,

 

A noite transforme-se no infinito dos protões em colisão com os neutrões e uma acácia tomba na sombra dos lábios da tarde, uma criança fica esquecida junto ao portão de entrada, e um finíssimo fio de algodão derrete-se-lhe nos olhos verdes de abelha em flor, correntes em aço enrolam-se-me ao pescoço emagrecido e quando quero levantar-me não consigo, os silvados dos caminhos saboreiam os meus braços e das urtigas vem-me o cheiro a inverno, a geada que me acompanha quando em círculos fechados calco as pedras do jardim, o cachimbo que levo na mão dilata-se e dele escorrem sonhos de meninos à volta de um triciclo,

 

Percebes agora porque sofro, meu amor, É esta terra,

 

E desde criança que procuro o mar, os gelados nas noites de Luanda no Baleizão, as idas ao circo, os passeios junto aos navios, percebes, meu amor, tudo isso se perdeu, e nesta terra, nesta terra nem o mar, nem o vento, nada que me interesse, apenas fingir que estou vivo, dizer bom dia quando passo pelas pessoas, e percebes meu amor, que sacrifício eu faço ter de dizer bom dia, boa tarde, boa noite, olá como está, coisas simples que me ensinaram desde miúdo, mas esqueceram-se, meu amor, esqueceram-se de mim nesta terra,

 

E agora vou para onde, agora é olhar os socalcos a serem engolidos pelo rio, sentar-me na cama e acreditar que o mar me vem buscar, acreditar, mas, meu amor, já nem acredito que estou vivo, toco-me e tenho medo a este corpo complexo e teimoso, e aqui nem papagaios de papel para brincar,

 

Apenas sombras,

 

E más-línguas,

 

E tubarões,

 

E trutas que se afogam no Douro,

 

E se eu pudesse voltar às ruas de Luanda, ao quintal do Bairro Madame Berman ou à Vila Alice, sentar-me no chão e olhar as nuvens, correr como um louco na ilha do Mussulo, e adormecer com o rádio pequeníssimo a pilhas junto ao ouvido, mas até isso me roubaram, meu amor, até isso… até os sonhos me roubaram…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:42

A vida me tira

O que a vida me deu,

Esta vida de mentira

Neste corpo que não é meu,

 

Ai a vida! E para que serve viver

Esta vida de miséria?

Uma vida a sofrer

Ausente na matéria,

 

A vida me tira

O que a vida me deu

Esta vida de mentira,

 

Esta vida de morrer

E vejo nas estrelas do céu

O que a vida me tirou sem eu saber…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:38

Milagre, e só poderá ser milagre,

 

Hoje, ao fim de onze anos ouvi pela primeira vez o meu cão falar, e enquanto brincava com ele e na euforia de cócegas e lambidos ouvi-lhe um finíssimo “NÃO”, fiz várias tentativas mas ficou-se por ali, que ele tinha aprendido a fazer pequenas adições e subtrações já eu sabia, agora que falava, nunca imaginei,

 

Aprendeu a adicionar pedacinhos de carne ao estômago e a subtrair passarinhos que por vezes com deficiências no motor acabam por aterrar de emergência no quintal, e ele, com os únicos três dentinhos que lhe restam da velhice estrafega-os como se fossem pétalas de rosa, chamo-o e escrevo-lhe no lombo o derradeiro sermão como o outro aos peixes, Rex, isso não se faz!, encolhe os ombros e deita-se junto aos meus tornozelos,

 

Não me obedece,

 

E talvez amanhã consiga sacar-lhe mais algumas palavras. Talvez amanhã, quem sabe!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:04

Escrever não me serve de nada, escrevo para me manter suspenso à vida, e leio muito, também de nada me serve, mas enquanto leio a minha vida faz sentido,

 

Arrependo-me de ter estudado, e se eu fosse analfabeto era o homem mais feliz do planeta, se andasse a passear uma enxada, bebesse um garrafão de vinho por dia e se eu tivesse uma catrefada de filhos, mas infelizmente nem bebo um garrafão de vinho por dia nem catrefada de filhos para viver à custa da Segurança Social,

 

Assim, fodo-me porque ninguém tem pena de mim,

 

Meses depois de me ter inscrito no Centro de Emprego, e carago se eu não pensei que eles tinham morrido, pois nunca mais recebi notícias, mas estava enganado, estão vivos e de boa saúde, recebo agora um destacável “Na sequência da sua inscrição para emprego, informamos qua ainda não nos foi possível satisfazer o seu pedido de emprego. Se continuar interessado, queira devolver-nos este postal devidamente preenchido, no prazo de 10 dias a contar da data do correio. Se não responder procederemos à anulação da sua inscrição.”,

 

Assim, fodo-me porque ninguém tem pena de mim,

 

Mas adiante, a vida é uma roda que gira e gira e não se cansa de girar, e às vezes cai-nos um raio na cabeça e surge a oportunidade da nossa vida, e a melhor oportunidade da minha vida é sair deste país, conseguir a Nacionalidade Angolana, e terminar os meus dias onde nunca devia ter saído,

 

E pergunto-me, Como posso eu ter Nacionalidade Angola?,

 

Escrever não me serve de nada.

Ler muito de nada me serve.

Eu preciso é de muitos filhos,

E de um garrafão de vinho por dia,

 

Assim, fodo-me porque ninguém tem pena de mim.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:59

Porquê desesperar…

Se a vida é uma roda

Que gira e gira sem parar

E não se cansa de girar,

 

Porquê desesperar…

Se a manhã não acordou

Se o sol não vai brilhar

E as ondas fugiram do mar,

 

Porquê desesperar…

Quando os sonhos não se realizam

E das noites de sonhar

Oiço o vento a soprar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:48
tags: , ,

Agosto 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO