Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Ago 11

Descem na manhã as coxas da noite ensaboadas no sémen da maré, e nos outeiros são os silêncios de púbis que pausadamente se enrolam nas mãos de um cansaço, no corpo um finíssimo fio de luz sorri e dos braços as docas abarrotadas de mendigos, os cabelos que se escondem no avental da empregada de mão dada com o aço-inoxidável do balcão, e copos de cerveja tombam como rebuçados de chocolate na mão de uma menina que procura os dentes dentro de um búzio,

 

- Noite de oito de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito, acabo de perder-me na cidade, o rio furioso com a minha despedida, e sinto-lhe os dentes nos meus braços, cambaleio em solavancos de calçada, estou bêbado e à minha volta tudo parece ter morrido, corro pelas ruas e não vejo, e não oiço, ninguém, estou completamente só na avenida vinte e quatro de Julho, eu e a pesadíssima mochila verde, é segunda-feira, e penso Até à meia-noite tem de me passar a bebedeira!, a mochila rosnava nos meus ouvidos que o comboio esperava por nós, mas pelo sim pelo não, caminhei em sacrifícios até Santa Apolónia, e começo a sentir os enjoos do uísque da tarde,

 

A empregada esconde as mãos no avental e sinto-lhe nos olhos o orvalho da noite, a insónia, possivelmente o namorado longe, ou as gaivotas suspensas nas janelas viradas para a escuridão, e barcos de desejo entram-lhe pelo estabelecimento, lotação lotada e amontoam-se à porta de entrada, as algas pedem amendoins, e os barcos ensanguentados de penas de pássaro em fila indiana para a casa de banho, a chuva miudinha de cerveja, a mistura milagrosa de vodka e noites de solidão a escutar o João Chaves e o Oceano Pacifico, e um livro sobre a mesa, as botas penduradas nos cabides do armário, e de vez em quando uma mortalha arreganhava os dentes e entrava-me pela garganta, e estômago, e o fumo dilacerante dos objetos desfocados, e à minha volta tudo em movimento, as espingardas voavam junto ao teto, os capacetes abraçados e a dançarem, e nos cinturões os pares de calças só de uma perna, talvez uma granada, talvez uma mina trazida de África,

 

- Tarde de oito de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito, o capitão Cruz em ameaças Só te dou a caderneta militar se pagares uma garrafa de uísque!, e eu farto de andar quinze meses a olhar o Tejo e a Calçada da Ajuda, e nem penso duas vezes, Vamos lá à garrafinha, meu capitão, e quando se convida uma pessoa aparecem logo cinco garrafões que bebiam como esponjas, e percebi logo, Isto nem três garrafas vão chegar, e não chegaram e todos bêbados, e não me deixou pagar nada, entrega-me a caderneta militar, e com um abraço sonâmbulo despeço-me dele e dos outros, acompanham-me até à porta de armas e desço a calçada, olho para trás, e penso Estou livre desta merda, e quando acabo de dizer “merda” um paralelo da calçada levanta-se, tropeço e caio, a primeira queda de muitas,

 

A menina encontra os dentes dentro do búzio, a noite começa a crescer e no teto de Santa Apolónia vejo rissóis de camarão e latas de cerveja, pego em mais latas do que em rissóis, entro na carruagem e adormeço, e quando acordei a ponte de dona Maria em soluços, procuro as latas de cerveja e os rissóis, alguém bebeu as cervejas e comeu os rissóis, porque procurei, procurei, e apenas um avental sobre a minha mochila…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:53

Há qualquer coisa de estranho

Nos teus olhos, meu amor,

Quando me olham transformam-se em estrelas

E quando me recordam

 

Em lágrimas de amanhecer,

Há qualquer coisa de estranho

Nos teus olhos, meu amor,

Não sei se é das nuvens

 

Ou dos silêncios da dor,

Mas quando me olhas o teu corpo funde-se

Nas encostas da montanha,

E nos teus olhos crescem rosas,

 

Há qualquer coisa de estranho

Nos teus olhos, meu amor,

Porque nos socalcos do teu corpo

Corre um rio,

 

E nos teus seios ancora-se o pôr-do-sol,

E não sei porquê, meu amor,

Mas é tão estranho…

Nos teus olhos brincarem gaivotas!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 15:40
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Há dias que não terminam

Há dias que correm apressadamente

Há pernas que não caminham

Nos dias sem gente,

 

Há dias de alegria

E há dias de miséria

Dias em nostalgia

Dos dias sem matéria,

 

Há dias de fé

Em dias sem cabeça

Dias passados no café

Na espera que alguém apareça,

 

Há dias que me dão uma moedinha

E dias que sou abençoado com cigarrinhos

Dias a olhar a vinha

Em socalcos magrinhos,

 

Há dias que não terminam

Há dias que correm apressadamente

Há dias que me desanimam

E dias que vivo alegremente.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:26

O silêncio de mendigar

Quando na manhã as rosas adormecem

Os plátanos que olham o mar

E os pássaros enlouquecem,

 

Sento-me e ancoro-me às fragas da montanha

E nos cigarros acendem-se abelhas em flor

Corro e corro que ninguém me apanha

E o meu corpo afunda-se na dor,

 

O silêncio de mendigar

Quando na manhã as rosas adormecem

Este meu destino de sonhar

Sonhos que me esquecem…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:02

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