Dispo-te, dos cansaços do dia, dispo-te, do sofrimento das noites em que deixas o sono à janela e olhas infinitamente o mar, do outro lado da rua, dispo-te, sempre que te procuro nas arcadas da tarde, entre os moinhos da montanha, dispo-te, dos silêncios que poisam nos teus lábios de mel, e nos teus ombros os pássaros que me olham como se eu fosse um desconhecido, e eles, e eles que conhecem cada milímetro quadrado da tua pele e que conhecem cada decilitro da tua dor,
Dispo-te, quando as nuvens entram no meu quarto, e antes do jantar, se deitam sobre nós, as palavras cansam-se da minha voz, e apenas te olho como quando me sento no xisto amarrotado do douro e o rio que emagrece nos meus olhos, e depois da curva dos socalcos desaparece como uma janela que se encerra permanentemente, olha, como quando eu era bebé e esquecia-me de comer e ficava deitado a olhar o teto, passeavam-se andorinhas, sorriam-me lilases de baraços compridos e que me abraçavam, tal como tu o fazes agora,
Dispo-te, porque não preciso da tua roupa para nada, e tão pouco aprecio curvas, olha, já me chegam as curvas do douro, e a mulher, como tu és, o que interessa é o que está por dentro, há casas lindíssimas por fora, e no interior só lixo, mal divididas e sem estética, e há casas muito feias exteriormente, e lá dentro, lá dentro são tão lindas e apetece ficar agarrado nos teus braços, e despir-te,
O que me interessa viver numa vivenda lindíssima exteriormente se no seu interior me sinto mal, e nem me apetece dormir, e nem me apetece sonhar…
Não, Não estou louco,
As coisas mais belas são as mais simples, e despir-te será muito mais importante do que guardar um diamante no bolso, e que de nada me serve, passeio-me com vinte cêntimos no bolso e sou tão feliz,
Dispo-te, quando a manhã se cansa e acorda a tarde, e junto ao Tejo sorri uma criança, que brinca, que acredita nos sonhos, e que depois de te despir, sim, olha, depois de te despir um papagaio de papel na tua janela, e tu deitas a cabeça no meu peito e da rua vem até nós o silício disfarçado de roas vermelhas, e sinto que a tua mão me toca, e os nossos corpos evaporam-se entre a roupa semeada no pavimento…
E na areia do chão crescem papoilas, margaridas, malmequeres, e flores selvagens. O dia despede-se da noite e o mar embrulha-se nos nossos corpos cobertos de flores, e dou-me conta que o teu corpo se disfarça de maré e me empurra para os teus braços…