Dá-me a tua mão, Etelvina, dá-me a tua mão e não me deixes abraçar às gaivotas que se penduram no parapeito da janela, e a tarde desabotoava os botões de silêncio, das coxas embebidas em suor as migalhas de desejo em busca do nada, e no púbis descia lentamente a tempestade, e o mar começava a escorrer pelos socalcos, seminus, entre a boca e o umbigo, e oiço os gemidos dos teus olhos enquanto os plátanos se enroscam à relva, e crianças gatinham junto aos teus pés,
Meu amor,
Conheci um louco mais louco do que eu, atravessava as paredes da enfermaria, juntava os pés e as mãos, baixava a cabeça ao nível dos joelhos, e com meia dúzia de palavras, zás, ele já deitado na cama da enfermaria vizinha, e a olhar pela janela o jardim de Maio,
Até à volta, meu amor,
O doutor dos malucos em decretos e circulares e papéis afixados nas paredes, Proibido juntar os pés e as mãos, Proibido baixar a cabeça ao nível dos joelhos, Proibido falar, e Diga-me lá enfermeiro, diga-me lá da sua justiça, é que se não começamos a meter na linha estes gajos quando dermos conta andam todos a atravessar as paredes!, olhe doutor Ainda ontem escapou-se-me um pela parede da casa de banho, o doutor nem queria acreditar Pela parede?, pela sanita vá lá que não vá, agora pela parede…
Eu criança, e o Armando, velho, eu homem, e o Armando o mesmo velho, e eu pensava Será que ele nasceu assim?, e não sei, “Armando dos Anjos Cardoso Rufino”, doutorado em contador de estórias, graduado em Filosofia, engraxador nas horas mortas do dia e com escritório no Café da Paz, e quando saía da escola a sandes de fiambre do tio Francisco à minha espera, dama de honor nas curvas e contra curvas das estradas do Concelho de Alijó, consultava os oráculos e as estrelas, sabia ler o futuro e reinventar o passado, e um certo dia depois de consultar o zodíaco chegou à conclusão que seria magnifico para passear e andar ao ar livre, Acredite, dia magnifico para passear e andar ao ar livre, era o que dizia o meu signo,
Saí de casa em direção ao Campo Meão, e já quase nos calcanhares dos depósitos começa a chover tanto, Acredite, nunca vi tanta água na minha vida, volto para casa, dispo-me, a roupa acabada de sair do tanque junto ao Matadouro, e em frente ao espelho Juro que nunca mais acredito nos signos, Que aldrabice…
Meu amor,
Dá-me a tua mão, Etelvina, dá-me a tua mão e não me deixes abraçar às gaivotas que se penduram no parapeito da janela, e não te preocupes, aqui tratam-me bem, mas sinto tanto a falta dos teus abraços quando a tarde se despede e do céu começam a cair faúlhas e silabas, e o cortinado começa a descer lentamente até se deitar no soalho, e quando olho para o lado, olha meu amor, o doido do Zé acabou agora mesmo de atravessar a parede…
Brevemente nos teus braços,
E,
As gaivotas que se penduravam no parapeito da janela, e a tarde desabotoava os botões de silêncio, das coxas embebidas em suor as migalhas de desejo em busca do nada, e no púbis descia lentamente a tempestade…