Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Ago 11

Não são apenas as pedras da calçada que estão gastas, os meus olhos perdem-se no esquecimento da luz, a tábua rasa da vida navega sobre as águas finíssimas de agosto, deito-me sobre a relva da noite, esqueço-me de descer os joelhos e olho-os a trinta graus de inclinação, parecem a copa de duas árvores plantadas nas manhãs de inverno, também os meus olhos estão gastos das lágrimas do silêncio,

 

Desço os olhos e sinto sobre o meu peito folhas de videira, e pergunto-me De onde vieram?, porque aqui não há videiras, Estranho…!, estranho com folhas de videira sobre o peito e nos joelhos copas de árvores, e quando vem a tempestade, eles rangem, eles os joelhos, rangem como parafusos esquecidos à porta da oficina, e em corrida rafa 4 rolamentos e pelo caminho encontra a tábua rasa da vida, e diz-me, Tudo o que preciso para construir um carro de rolamentos!, e agora percebo a panca, É por ser filho único!, dizem-me que são todos malucos, E ainda você não viu este, este de vez em quando desaparafusa-se, e nem lhe digo, pernas para um canto, braços um em cada canto da sala e junto ao rodapé, a cabeça sobre o mar que em cima do guarda-fato perde-se em círculos, subo a uma cadeira, enfio a moedinha na ranhura, e zás, novamente mar, E onde ficaram as orelhas, ou o gajo não tinha orelhas?, ter tinha, mas onde estão não sei,

 

As lágrimas do silêncio, quando entre a espada e a parede esconde-se a minha sombra, e que eu me lembre tinha orelhas sim senhor, então se as tinhas foram-se, e percebo que a minha sombra se inclina para a espada, mas sempre uma mão para eu não vacilar, e vacilo, e adormeço, e esqueço-me que estou vivo, meu deus, Quantas vezes me esqueci que estava vivo, tantas meus deus, e não quero mais esquecer-me de me esquecer de viver, E ou eu me engano ou as orelhas estão dentro da mesinha-de-cabeceira, aí dormem os preservativos, e meu deus, lembras-te quando me estatelei pela ribanceira preso a uma carrinha atulhada de dornas e uvas, e não morri, e nem um aranhão, menos desculpe, alguns arranhões e pouca coisa, E sabes, a minha mãe dizia-me ser milagre, e até hoje não acredito, No silêncio, já procuraram as orelhas do tipo no silêncio?,

 

Estou vivo, Estou vivo, Não morri…, a minha mãe diz-me que foi deus, eu digo à minha mãe que tudo devido às equações da física, Estás maluco meu filho!, era o que faltava agora… leis da física, e em poucos segundos vi o começo da morte, e se tivesse morrido hoje nem me lembrava mais,

 

Nem se lembravam de mim, E enquanto as putas das orelhas não estiverem aqui ninguém vai dormir, tudo na parada em cuecas!, e quem é que me garante que o estúpido tinha orelhas, Sim, Quem me garante?, eu não, respondo eu, eu também não responde ela, eu igualmente não, o outro eu que deitava a cabeça nela, e que agora é ele, mas ontem era ela, Garanto, fique aqui ceguinho se não foi!, e eu não garanto nada,

 

Terminar aqui o texto ou fazer uma pequena incursão nos móveis da noite, e corredor fora, fumar um cigarrinho na casa de balho, sento-me no bidé e olho o infinito fundo da sanita, vejo o mar, e ela que me entra e sai da parede, a noite, meu amor, e em pequenas baforadas nos pedacinhos de papel higiénico onde escondo as rimas dos meus poemas, meto-as ao bolso, e fujo, e não sei o que fazer, se termino aqui, ou simplesmente ir até à festa, porque hoje em Alijó há festa, e ontem houve festa, e enquanto haver festa há Alijó, porque meu amor, por muitos filhos da puta que esta terra tenha, Alijó será sempre linda, bela e poética,

 

Já viram se o gajo as tem na algibeira?, na algibeira não me parece, ela que já foi ele, e que agora são duas, duas elas que ontem era dois eles, e isto é complicado sabe, Isto de mulheres é complicado, ora diga lá!, e se ao menos trouxessem manual de instruções, não percebo, Todos os telemóveis trazem manual de instruções, não me admirava que elas também trouxessem, Mulheres complicadas, E cuidado com a jarra, e pumba a jarra em pedacinhos, E cuidado com o cão, e o cão passado a papel de mortalha, Informam-me que o farrusco acaba de regressar a casa, E as orelhas, pá?,

 

Nunca duvidei que os filhos únicos são malucos, vejam só este parvalhão, Terminar o texto para ir para a festa,

 

Parvalhão,

 

Encontro as orelhas junto à pasta de dentes, possivelmente quando fui há sanita saltaram-me para o armário, não são apenas as pedras da calçada que estão gastas, os meus olhos perdem-se no esquecimento da luz, a tábua rasa da vida navega sobre as águas finíssimas de agosto, deito-me sobre a relva da noite… e tu apareces em mim.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:12

E quando do céu se desprega a montanha

E no rio dorme a gaivota dos teus olhos

Quando do céu desce o silêncio

E de um barco cansado emerge o teu peito,

 

O céu em gemidos de luar

E da lua pingos de mar

As estrelas se penduram nos teus lábios de mel

E da tua boca acorda a manhã de papel,

 

Silabas que mastigas na madrugada

Flores que misturas com vogais

Palavras com que pintas o céu na alvorada

E no espelho da lua os teus gemidos e os teus ais…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:37
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Das mãos de uma criança

Uma rosa em flor

Em cada dia a esperança

Na dor que lança

 

A espada do amor

Os sonhos agarrados à almofada

Das mãos de uma criança

Uma rosa em flor

 

Um sorriso inocente na madrugada

A gaivota que não se cansa de brincar

Das mãos de uma criança magoada

Esconde-se da manhã o mar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:55

Sara, meu amor (nome fictício),

 

Regresso agora do mar de Luanda, e é tão lindo, meu amor, no céu prendem-se estrelas e na espuma entrou-me a madrugada e na areia uma trapezista sumia-se no cacimbo, abro a janela, um petroleiro abraça-se na mesa-de-cabeceira, e dos teus lábios, meu amor, dos teus lábios vejo o pôr-do-sol,

 

Tenho medo ao mar, minha querida, abraço-me ao pescoço da minha mãe e choro, e grito, e preciso dos teus braços que guardam o meu corpo de barco, enferrujado, velho, cansado,

 

Sara, meu amor (nome fictício),

 

Regresso agora do mar, são 01:45 horas e nas nuvens vejo os teus olhos alicerçados nas planícies do Alentejo, não me perguntes porquê o Alentejo, nunca lá estive, apenas atravessei-o em caminhadas para outros destinos, e nos teus lábios um cacilheiro em roncos acelerados, a ponte foge no horizonte, e do outro lado do rio, do outro lado do rio, meu amor, do outro lado do rio a jangada que nos espera,

 

Sara, Meu amor (nome fictício)

 

Não percebo porque te amo, mas amo-te como se fosses um texto literário, leio-te, sublinho nas tuas costas as silabas engasgadas da manhã, dispo-te e pego nas palavras dos teus cabelos e escrevo o poema que corre na tua boca, oiço o sino que da igreja me cansa nesta noite que acabo de regressar do mar de Luanda, deixo os cigarros na cidade e escondo-me entre os machimbombos doentes, fatigados de caminhar nas ruas e no céu os pássaros de sempre nas tuas mão de hoje,

 

Regresso agora do mar de Luanda, e é tão lindo, meu amor, no céu prendem-se estrelas e da espuma entrou-me a madrugada e na areia uma trapezista sumia-se no cacimbo, e percebo que a vida sem ti não faz sentido,

 

Sara, Meu amor (nome fictício)

 

Amanhã deito a minha cabeça nas tuas coxas, mas hoje, hoje, meu amor, hoje deixa-me recordar o regresso da praia de Luanda…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:58

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