Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

20
Ago 11

Todos os dias toco nele, antes de adormecer acaricio-o e faço-o deslizar sobre os lençóis da noite, e já deitado sobre o soalho da cama e do teto nem estrelas nem lua, penso, Será Rato, Rata, ou Rata disfarçada de Rato, e porque não, poderá muito bem ser uma Rata travestida, e de pernas de alicate se faz passear sobre a secretária, molda-se à minha mão direita como se fosse uma flor de seda, uma nuvem poisada no pôr-do-sol, as coxas movimentam-se no sentido contrário à rotação dos ponteiros do relógio, e do pulso percebo que são vinte e uma horas e dezanove minutos, enquanto escrevo penso nele, enquanto escrevo penso nela, enquanto escrevo penso em ambos,

 

E desce a noite sobre os livros amarrotados das tardes junto ao mar, um barco entra pela janela e deixa cair o morrão do cigarro sobre a secretária, o cinzeiro ainda virgem, Não fumes no escritório, meu filho!, reza-lhe a mãe em padre-nosso que estais no céu, venho à rua, levanto a cabeça e do céu nada, apenas fios de sémen e sargaços pendurados nos plátanos, volto para dentro e sento-me, pego-lhe com todo o cuidado, poiso-o lentamente na minha mão macia, e fico em dúvida, e grito alto para que todas as pessoas da minha rua percebam Será Rato ou será uma Rata,

 

O meu vizinho diz-me Não está fácil a vida, rapaz,

 

Nada fácil, respondo-lhe, e mesmo nu, não consigo descortinar se é homem, não consigo descortinar se é mulher, e não consigo descortinar se é uma mulher disfarçada de homem ou simplesmente homem vestido de mulher, e como vês amigo, não está mesmo fácil,

 

A vida,

 

O barco às curvas no corredor, olha o candeeiro e fecha as persianas, o Rato ou Rata poisado ou poisada sobre a secretária, finjo que não andam barcos no corredor Que ideia Francisco, barcos no corredor!, verdade, mãe, verdade que passeiam-se barcos no corredor quando acorda a noite,

 

Vou acreditar que sim, Francisco, vou acreditar que sim,

 

Todos os dias toco nele, antes de adormecer acaricio-o e faço-o deslizar sobre os lençóis da noite, é um periférico de entrada e disponibiliza quatro tipos de operações, movimento, clique, duplo clique e arrastar, umas vezes passeia-se com um cordel pendurado ao pescoço, e outras, outras em liberdade, e quase a terminar o texto não percebo, não entendi, nunca percebi,

 

Se o Rato do meu computador é macho, fémea, ou fémea vestida de macho, ou macho distraído de fémea, a única coisa que sei é que todos os dias, e antes de adormecer, lhe toco e o acaricio, e às vezes vejo-o esconder-se entre os lençóis da noite e os ponteiros do relógio…

 

(Texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:44

Palavras que acordam à mesa das palavras

Palavras suspensas nas nuvens do céu

Em silabas e vogais e chovem palavras

Nos jornais

Em livros que ninguém lê

Palavras com véu

Na porta da igreja

Palavras das cartas ao léu

Quando do Pacheco morrem de inveja

Palavras no meu jardim

Em pétalas de rosa

Em suspiros de alecrim

Com prosa sem prosa

Palavras que acordam à mesa das palavras

Palavras suspensas nas nuvens do céu

Triem-me a vida

Tirem-me os sonhos

E não preciso de nada

Mas nunca nunca me tirem as palavras

Palavras que dão nome à rua sem saída

Palavras agachadas na calçada

Quando junto ao tejo

Me sentava

E olhava as palavras no sorriso das gaivotas…

Um cacilheiro às voltas

Das palavras que acordam à mesa das palavras.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:56

Dálias, margaridas e malmequeres

Suspiros e silêncios ao anoitecer

As nuvens em pedacinhos de algodão

Na manhã a chover,

 

Os rabelos que sobem o Douro

E os socalcos pregados no meu olhar

Dálias, margaridas e malmequeres

Que procuram o mar,

 

E poiso-me sobre o xisto da madrugada

Puxo dos cigarros e adormeço

Canso-me do rio e canso-me do céu

E de mim me esqueço,

 

Folheio a enxada pesada da vida

E um verso entra-me pela garganta

Olho o rio apenas por olhar

E o meu corpo do chão levanta,

 

Sobe até ao sol

E transforma-se em poeira

Este rio e estes socalcos

Nos olhos de uma videira…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:11

Há de acordar a manhã

E a minha mão poisar nos teus cabelos

E o meu sorriso pintado nos teus lábios

Há de acordar a manhã

E os teus seios suspensos na espuma do mar

Em gaivota

Na terra ou no ar

Há de acordar a manhã

Em desejos e olhares

E um beijo na tua testa…

Há de acordar a manhã

E nos teus lábios uma flor,

 

Há de acordar a manhã

E o teu corpo dentro do meu corpo

Os barcos em círculos

Nas coxas da montanha,

 

Há de acordar a manhã

E o dia ser dia

A noite ser noite

E tu a manhã que acaba de acordar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:27

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