Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

22
Ago 11

No cortinado dos teus olhinhos

A manhã de Luanda a acordar,

O vento que come os moinhos

O vento que vem do mar,

 

E Luanda acordada

Quando um menino brinca no quintal,

Vem do vento a madrugada

E no vento se desfaz um jornal,

 

No cortinado dos teus olhinhos

As nuvens penduradas na cidade,

Os machimbombos aos saltinhos

E o menino perdido na saudade…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:47

Oiço-te, oiço-te na água da ribeira,

E ausentas-te em silêncios de noite,

Oiço-te, oiço-te quando entram em mim

Todas as sombras da montanha,

E as estrelas, e a lua, e a água da ribeira,

Oiço-vos nos cansaços dos meus braços,

Oiço-vos dentro do meu peito

Quando comboios de cigarros perfuram

Os meus pulmões de carvão,

E fios de aço

Suspendem-se na minha pele esbranquiçada

Com sabor a lixivia e a limonada,

 

Oiço-te, oiço-te no final do dia,

E das tuas mãos emergem silabas atónitas

E palavras complexas

E ruas sem saída,

Os edifícios crescem

E tocam o céu,

E oiço-te, oiço-te quando conversas com deus,

E ele, ele diz-te que sou um inadaptado,

 

Tu, pedes-lhe desculpa e rezas,

Eu, eu pego num livro do Pacheco e mando-o dar uma voltinha…

Porque estou farto,

Porque me sinto cansado,

 

Que deus me chame inadaptado,

Ex drogado,

E oiço-te, e oiço-te quando te escondes entre os lençóis

E consegues com ele um acordo justo,

 

Ele, ele deixa de me chatear,

E eu, eu finjo que ele existe,

Continuo com o Pacheco na mão…

E espero ouvir-te quando acorda a manhã…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:15

Nem os pássaros voam neste céu azul de solidão

E as árvores abraçam-se à terra engasgada na tarde,

No mar acordam ondas de ilusão

E na minha mão um silêncio que arde,

 

Estou sentado, e sem explicação começo a voar…

Aos poucos sou puxado por uma nuvem

E o meu corpo misturado no ar

Em pedacinhos de penugem,

 

Finjo que sou eu

E que navego no mar

Finjo que entrei dentro do céu

E continuo a caminhar,

 

A fingir e a fingir

Pareço uma gaivota desgovernada

Um dia vou sorrir

E ao outro dia olhar a lua encarnada…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:55

Sim senhor, senhor doutor, perfeitamente, senhor doutor, exatamente, senhor doutor, claro, senhor doutor, fico à espera, senhor doutor,

 

Meio-dia na ilha, as arvores erguem-se e começam a levitar, o farol em intermitências alaranjadas saltitam nos olhos do capitão, o vento e a chuva enrolam-se nos braços da barcaça, rodopia em círculos, e é atirada contra os rochedos,

 

Sim senhor, senhor doutor, e o senhor doutor é que manda, claro, nunca duvidei das suas ordens, e as suas palavras são como um testamento, e se o senhor doutor quiser eu e os rapazes, durante a noite, pregamos uma carga de tareia ao gajo, é só dizer, senhor doutor, e por si faço tudo,

 

A barcaça estilhaçada como a porcelana quando tomba no pavimento, o capitão e os seus homens perdidos na escuridão da noite, e seis sombras em busca da claridade do luar, ouvem-se ais, aqui e ali, no cantinho esquerdo do rochedo, um gritinho de socorro, a expetoração da barcaça a boiar sobre as águas em fúria, um deles tenta deitar-lhe a mão, escorrega e afunda-se, e este já foi, e só faltam cinco,

 

Estou a falar a sério, senhor doutor, eu e os rapazes corremos com o gajo da ilha que nunca mais ouve falar nele, é só dar a ordem, senhor doutor, e não precisa de ser por escrito, as suas palavras, senhor doutor, são linhas de testamento,

 

O outro marinheiro desiste de chegar a terra firme, cruza propositadamente os braços e afunda-se, e alguém aos berros, E só faltam quatro, e dos quatros quer o destino que apenas um sobreviva, e claro, O senhor doutor é que decide, salvamos o capitão?, não, o capitão não, esse miserável falou sempre mal de mim, Afunde-se o capitão!, e o capitão ao fundo, e agora, senhor doutor, só temos três, o cozinheiro Malaquias, o feiticeiro do Francisco e o lambe botas do Pinguim…, o doutor pensa, o doutor pensa, e diz ao seu fiel imediato, Afundem o cozinheiro e o feiticeiro, icem o lambe botas… sempre nos dá algum jeito!,

 

Acordo manhã cedo, o dia ainda de pálpebras cerradas, puxo de um cigarro, o cigarro acende-se e apaga-se, acende-se, guardo o isqueiro no bolso da camisa, os cigarros e o isqueiro incrédulos, e começo a ouvir as suas palavras contra o meu peito,

 

- Mudou tudo, ambos em conjunto, Olha, a avenida 25 de Abril deixou de ser avenida 25 de Abril, diz o maço de cigarros, Olha, a avenida doutor Francisco de Sá carneiro já não é avenida doutor Francisco de Sá Carneiro, as palavras do isqueiro, Que giro, Os plátanos não estão no jardim, segreda o maço de cigarros, olha, pois não, e no jardim dorme um petroleiro, o isqueiro a resmungar para o maço de cigarros,

 

E o meu nome deixou de aparecer na lista telefónica,

 

E o senhor doutor é só dizer, enquanto o malabarista do circo ambulante espeta pregos com a cabeça nas nuvens, eu e os rapazes corremos com o gajo da ilha…

 

Abro silenciosamente os olhos, procuro no teto as nuvens da manhã, ainda não são oito horas e dou-me conta, e felizmente, que tudo não passou de um sonho, felizmente, felizmente…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:48

Quando o orvalho poisa na tua pele

Pétala amarrotada da manhã

E de um finíssimo fio de seda

Os olhos da lua que me comem

 

E sou engolido

Mastigado

E sou agarrado por uma nuvem

E o vento me leva para o mar

 

Afundo-me lentamente

Os peixes ignoram-me e não se alimentam de mim

Quando o orvalho poisa na tua pele

Pétala amarrotada da manhã

 

A minha voz despede-se das flores

A minha voz é sepultada na solidão da tarde

E a manhã desaparece

Em pedacinhos de papel…

 

Estás morto

Socalco encalhado no douro

E dos meus ombros encaixotados no sofrimento

O rio se esconde e o rio me puxa para as trevas da noite…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:40

A espuma dos lábios da noite

Quando o céu se cansa do silêncio

A espuma encastrada nas arcadas das estrelas

E uma criança brinca na areia

 

A espuma dos lábios da noite

E do vento vem a maré

Bate nas rochas da solidão

E a espuma desfaz-se em pétalas

 

E uma abelha suspende-se numa árvore

Pássaros abraçam-se aos candeeiros anémicos

E putrefatos da cera engasgada nas minhas mãos

O mar extingue-se e os barcos cessam de respirar

 

A espuma dos lábios da noite

O meu corpo espera a chegada da manhã

De uma janela os teus olhos em pôr-do-sol

E da noite e dos teus lábios a espuma

 

Que o mar transpira

As gotinhas de suor das algas em movimento

A espuma dos lábios da noite

Em cansaços de sofrimento…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:08

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