Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

23
Ago 11

Vem a mim o dia de ontem, e faz-se acompanhar com as côdeas da noite, o néon que galga os passeios e os mendigos que se escondem na garganta da lua, vem a mim o dia de ontem, e desembrulho-o, e quando o poiso sobre a minha mão trémula percebo que o dia de hoje não é mais do que uma fotocópia do dia de ontem,

 

- Então a tua vida não passa de uma sebenta!, diz-me um dos mendigos que vinha agarrado à finíssima folha de papel,

 

E repondo que é verdade É verdade, amigo, a minha vida é uma sebenta, a minha vida enrolada em teias de aranha, e arrumadinha na prateleira junto ao teto, três caixas de cartão proibidas aos olhares humanos, proibidas aos meus olhos, porque tenho medo de lá entrar, e três caixas de cartão que mais cedo ou mais tarde vão adormecer eternamente na fogueira, debaixo do pessegueiro,

 

- Tens ratos no quintal Ratos no quintal?, e o mendigo a jurar-me a pés juntos que viu um casal e dois filhos a correrem para as margens do Tejo, e uma sombra perdia-se de olhares nos engasgos dos cacilheiros, estava sentado junto à margem e quando um cigarro se extinguia nos odores do Tejo outro já em fila de espera junto à parada para se  agarrar aos meus lábios, o capitão aos berros Isto é que são horas de chegar ao quartel?, eu olhava as minhas botas e mentalmente respondia-lhe Se te fosses foder!, e calava-me e ouvia, e o vento puxava-me e o meu corpo balançava, e pergunto ao capitão Meu capitão, algo se passa com a parada, treme tanto?, e as nuvens escondiam-se junto à ponte, e os carros soluçavam,

 

Claro que algo se passa com a parada, deve ser gripe, mas amanhã de manhã está fina que nem aço, uma folha de vinte e cinco linhas e vais ver como são elas, dois ou três fins de semana de castigo,

 

- E durante a noite descia do teto um homem que me roubava os sonhos, Um ladrão de sonhos? O mendigo a enganar a tarde com um pedacinho de pão, e durante a noite descia do teto um homem de sobretudo e cigarro nos lábios, e agarrado à minha cabeça levava-me todos os meus sonhos e em quinze meses deixei de sonhar, e apenas pedacinhos de papel sobraram e adormecem nas três caixas de cartão,

 

Vem a mim o dia de ontem, e faz-se acompanhar com as côdeas da noite, o néon que galga os passeios e os mendigos que se escondem na garganta da lua, e a empregada da esplanada, e ao mesmo tempo que me servia, em melodias de pássaro Sempre tão triste e sem sorriso!, e eu respondia-lhe Aqueles gajos roubaram-me os sonhos e o sorriso…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:48

Há os socalcos do Douro

E os socalcos da vida

Há a manhã a acordar

Dentro de um corpo em despedida

 

Numa mão a mendigar

Há os socalcos do Douro

Nos socalcos da vida

Uma rua sem saída

 

Uma videira a chorar…

Há os socalcos do Douro

E um rio que corre para o mar

Um vinho feito de ouro

 

Um vinho de encantar

Há os socalcos do Douro

E os socalcos da vida

Num rabelo a passear…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:06

A humilhação, o coração salta-me do peito e em pulinhos palmilha cada milímetro quadrado do teto da Segurança Social,

 

A vida é uma roda

Que gira e gira e gira

E não se cansa de girar

Uns dias ficamos no fundo

Outros dias, outros dias estamos no ar,

 

O meu corpo começa a encolher-se na cadeira e extingue-se na janela das traseiras, poiso os braços sobre a secretária, e eles, eles balançam como as árvores quando o vento em fúria tomba os barcos que atravessam o rio, tenho frio, e começo a transpirar, a humilhação, a humilhação de mendigar, e pedir o Rendimento Social de Inserção, e leio nos olhos dos que me olham Mais um chulo!,

 

A vida é uma roda

Que gira e gira e gira

E não se cansa de girar

Uns dias ficamos no fundo

Outros dias, outros dias estamos no ar,

 

E eu pensava, E agora?, quem me vai ajudar a colocar o meu coração novamente no peito, e eu olhava o teto, e ele saltava, saltava, e ninguém, ninguém ao meu lado para lhe deitar a mão, e descobri, descobri que às vezes precisamos de correr, e correr, e eu, e eu deixei-o pular e pular, até que quando se cansou regressou, desceu do teto, e em passos de anjo entra-me no peito, e voltou a palpitar,

 

A vida é uma roda

Que gira e gira e gira

E não se cansa de girar

Uns dias ficamos no fundo

Outros dias, outros dias estamos no ar,

 

E mesmo que digam que a loucura entrou dentro de mim, eu acredito, eu acredito que o céu voltará a ser azul, que o mar voltará a ter ondas e espuma e maré, e que sobre mim vão voltar a voar as gaivotas, e os barcos, os barcos vão voltar ao estuário da minha vida, e os pássaros voltarão a poisar na minha janela e a acordar-me todas as manhãs, como há muito tempo atrás…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:30

(para ti)

 

Não tenhas medo de me amar

E quando pegares na minha mão

Prende-a ao teu rosto

Como se eu fosse um poema de amor,

Um texto de ficção,

Não tenhas medo de me amar

Não tenhas não,

Não tenhas medo de me abraçar

Quando em ti acorda a madrugada,

Não tenhas medo, meu amor,

Não tenhas medo de me amar

E junto ao mar ficares a mim abraçada,

 

Não tenhas medo de me amar

E quando pegares na minha mão

A manhã a acordar,

Não tenha medo de me amar, não tenhas não…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:13
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Abraça-me com a luz dos teus olhos

E não me deixes cair sobre o mar

Abraça-me como se eu fosse uma flor selvagem

Que mendiga na paisagem,

 

Abraça-me com o teu sorriso em flor

Abelha que brinca na minha mão

Abraça-me, meu amor,

Abraça-me e deixa-me poisar no teu coração,

 

Abraça-me quando a manhã acordar

E os desperdícios do luar

Se escondem nas nuvens,

Abraça-me, meu amor, abraça-me com a luz dos teus olhos…

 

E não me deixes cair sobre o mar,

Abraça-me meu amor,

 

Abraça-me com a luz dos teus olhos

 

Quando uma gaivota a voar

Leva de ti a dor,

 

Quando uma gaivota a voar

Deixa em ti o amor…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:49
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