Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

25
Ago 11

O inferno até que é giro, lamentava-se ele enquanto olhava a montra semeada de sapatos e sandálias e chinelos e calçado desportivo, e giro, giro é acordar manhã cedo e perceber que durante a noite alguém roubou o céu, e que durante a noite roubaram as árvores e os pássaros que dormiam nas árvores, e que durante a noite roubaram o mar, e todas as flores dos jardins, durante a noite, roubadas, e giro é perceber quando se acorda e abrimos a janela e o mar não está lá, e penso Quando me deitei vi-o e falei com ele, pois, mas durante a noite, o inferno até que é giro, e giro, giro é acordar e verificar que as coisas mais simples desapareceram, ou pior, alguns se apoderaram delas,

 

E que eu saiba, e digam-me se estou enganado, o inferno até que é giro, e giro é perceber que as flores as árvores e os pássaros e o mar e o céu e a água, e outras coisas mais, pertencem-nos, e giro, giro é perceber que aos poucos deixam de nos pertencer,

 

O inferno até que é giro, e giro, giro é perceber que deus começa a ser um bem apenas de alguns, que cristo se vivesse nos dias de hoje era de esquerda, e não acredito que pudesse ser outra coisa, e que o dinheiro há muito escasseia na minha algibeira, e giro, giro é eu dar-me conta que esqueci completamente como são as moedas, as notas, o inferno até que é giro, e giro, giro é que nos últimos dois dias sobrevivi apenas com dez cêntimos, e até que o inferno não é mau de todo, nós, nós seres humanos é que acreditamos porque sempre nos foi dito que o inferno é algo de muito ruim, não, senhores, o infernos é fixe,

 

E se o inferno onde vivo é fixe nem me imagino a viver no céu, porque, o inferno até que é giro, e giro, giro deve ser todo o luxo do céu, cadeiras de cetim, bordados e porcelanas, mesas de jogo, camas com colchão de águas, sanitas em oiro maciço, e mulheres, muitas mulheres, o inferno até que é giro, e giro, giro é eu no céu, e acreditem, sentia-me mal, enjoado, porque o inferno até que não é mau, e giro, giro é acordar pela manhã e não roubaram o céu, não roubaram as árvores e os pássaros, não roubaram as flores de todos os jardins, não roubaram a água dos rios e das ribeiras, e o que seria do douro sem a água, sem os socalcos, o que seria de Luanda sem o mar,

 

O inferno até que é giro, e giro, giro é saber que não roubaram porque não puderam, não podem, porque é impossível roubar o mar, as flores de todos os jardins, as árvores e os pássaros que dormem nas árvores, e as mulheres do céu, meu deus, e se peco peço desculpa, mas estou tão habituado a viver neste inferno, que me desculpe, senhor, esse teu céu é luxuoso de mais para mim,

 

O inferno até que é giro, e giro, giro é perceber que roubaram-me os sonhos e não conseguiram roubar-me as palavras, e que se pudessem já nos tinham roubado o céu, e já nos tinham roubado o mar, e já nos tinham roubado as árvores e os pássaros que dormem nas árvores, e já nos tinham roubado as flores de todos os jardins, e giro, giro é que eles não nos podem roubar esses bens tão preciosos e que muitos não dão valor, e que são grátis, e são de todos nós, O inferno até que é giro, e giro, giro é que ainda consigo respirar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:37

Palavras que nunca te disse

E quero dizer

Palavras simples, palavras de amar,

Não é amo-te ou desejo-te, não,

Porque essas palavras,

Até um miúdo sabe escrever,

Até um miúdo sabe prenunciar,

E o coração

Nada tem com amor,

Porque o coração é apenas uma máquina

Uma bomba que puxa o sangue,

O amor está na tua simplicidade

O amor existe nos teus olhos

Ou nos teus lábios…

Ou na tua boca

Nas tuas mãos,

 

Palavras que nunca te disse

E quero dizer

O quanto és importante

E dás sentido à minha vida

Ao meu viver,

E a vontade de lutar

Está em ti

Porque eu sozinho já tinha desistido,

Fugido com o rabo entre as pernas

Porque me canso

Porque me desespero

E quando oiço a tua voz,

Parece que o céu fica azul

O sol a brilhar

E então nascem em mim palavras

Palavras para te amar…

 

Palavras para escrever no teu corpo

Palavras que se misturam nas gotinhas da tua pele

E nasce um poema

Ou uma rosa poisa na janela,

 

Palavras, meu amor,

Palavras que nunca te disse

E quero dizer

E quero prenunciar,

 

Baixinho

Sobre os lençóis da lua

Quando o mar vier até nós

E com ele as palavras,

As linhas onde escrever

O finíssimo papel dos teus seios

As palavras que nunca te disse

E vou dizer…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:39

E há dias assim, em que nos arrependemos de ter acordado, dias em que não apetece fazer nada, estar vivo, dias assim, dias em que não queremos ver as árvores, olhar o céu, e há dias em que dava tudo para que não existisse céu, luz, noite, pássaros, e pessoas, e há dias assim, e para uns são passageiros e logo em seguida o sol a brilhar, os pássaros a cantar e as flores a sorrirem, e para outros, e há dias assim, dias eternos e que nunca mais terminam, dias que se transforma em semanas, messes, anos,

 

Pergunto-me se o calendário não será igual para todos, e há dias assim, e alguém me responde que não Não, o calendário não é igual para todos, e há dias assim, que o nosso cão nos irrita, os livros não passam de um embuste e às vezes apetecia-me transportá-los para o quintal, e há dias assim, fazer uma pilha de livros, e eu a sorrir, e alguém rebate a minha frase Que lindo uma pilha de livros, e depois de os acender com um combustível qualquer, sentar-me e olhar cada pedacinho de página a arder, e ficar em migalhas de cinza,

 

E claro que ninguém, às vezes, ninguém mata os próprios filhos, e os livros são os meus filhos, e há dias assim, e claro que eu era incapaz de queimar os meus livros, e se dessem para comer, porque há dias assim, eu queria morrer à fome, não conseguiria comer os meu próprios livros, os meus filhos, porque há dias assim e não se comem os filhos,

 

E há dias assim, dias em que nos apetece berrar bem alto, atirar com um paralelo contra uma montra, e há dias assim, ou simplesmente ficar sentado num banco de jardim e conversar com os plátanos, e há dias assim, tristes, e há dias assim, alegres, e há dias assim, dias de monstruosidade, mas independentemente dos meus dias, ninguém, ninguém tem culpa, e há dias assim, nem a nossa raiva devem servir de desculpa para nada, e há dias assim,

 

E há dias assim, os dias sempre iguais aos dias assim de ontem, e eu sem espaço para guardar tanta fotocópia, e há dias assim, fotocópia de fotocópia, e há dias assim,

 

Dias de inferno.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:18
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E bate o vento

E leva o vento o meu olhar,

Trás o vento o mar

E levava o vento

 

Os barcos da tua mão,

E bate o vento

E trás o vento o meu chorar

E leva o vento a solidão,

 

E bate o vento

E leva o vento o meu olhar,

Vem o vento em sofrimento

E leva o vento o teu amar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:15
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