Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

26
Ago 11

E quando o teu corpo se extingue na tarde, e sobre mim,

Pausadamente caiem as gotinhas de suor da tua pele, nos lábios das nuvens um albatroz olha-nos e ao fundo do corredor fica o mar, a boca das horas em beijos atrevidos ao pêndulo do relógio estacionada na parede da sala, e após a música que nos transporta para o santuário de Fátima as seis badaladas, e no quarto procuro os pedacinhos de ti, do mar chegam-nos sorrisos de crianças e vozes de mãe, e a minha mãe chama-me na ilha do Mussulo,

 

Eu pequenino em tropeções nas covinhas da areia, e sempre de costas viradas para o mar, sempre, e ao fundo do corredor é só abrir a porta e entrar dentro do mar, e hoje, hoje não tenho medo do mar, hoje e agora, agora e hoje pegava na tua mãozinha e começava a caminhar corredor fora, abríamos a porta, e mar adentro,

 

E as oliveiras na tuas mão, a as velhinhas aos gritos na missa quando tu pregavas com pioneses as saias rodadas aos bancos onde se sentavam, eras tão marota,

 

E ainda hoje juras que vais pregar-me uma partida, acredito, mas deixa lá, deixamos para mais tarde, agora e hoje, hoje e agora vamos caminhar no mar, vamos,

 

E o mar do Mussulo tão límpido, e o céu tão azul, e eu tão pequenino, e quase conseguia esconder-me nas covinhas da areia,

 

E hoje o nosso mar fica ao fundo do corredor, abrimos a porta e entramos, e dás-me a tua mãozinha tépida e começamos sem darmos conta a entrar nas ondas, e deitados e abraçados sonhamos que amanhã uma gaivota poisará no teu corpo e novamente junte todos os pedacinhos que se extinguiram na tarde de ontem,

 

E sobre mim,

 

O Mussulo inteiro, Luanda inteira, as nuvens de o céu, os barcos e as meninas e os meninos, e todos, todos vamos olhar o mar, abrimos a porta, entramos, dás-me a tua mãozinha e começamos a caminhar…

 

E pausadamente as gotinhas de suor da tua pele entram em mim, e de mim, de mim caiem silêncios nos teus lábios…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:05

(para ti, menina que espetava pregos nas oliveiras)

 

A tua boca

Que o silêncio mastiga

E a madrugada cultiva

Na manhã ressequida,

A tua boca

Que o orvalho castiga

Quando a amora da silva

Fica na tua boca perdia,

 

E a tua boca

É coisa pouca,

 

A tua boca

Que o silêncio mastiga

Os fios de néon em cantiga

Na madrugada louca,

 

E em silêncios de nada

Na tua voz rouca

A tua boca

Que o silêncio mastiga

A tua boca amada.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:16
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Passeava-me pelo jardim Dr. Matos Cordeiro e não queria acreditar, à primeira vista pensei que fosse alguma alucinação devido aos caixotes do lixo que há vários dias não são despejados, mas não, não se tratava de nenhuma alucinação, e é verdade, este senhor estava sentado num dos bancos e com ar pensativo, um pouco abatido, mas ao que parece, bem de saúde,

 

Sentei-me, ele olhou-me com indiferença, e depois de algumas frases que fiquei sem perceber ouvi da boca dele que Em quarenta e dois anos só agora perceberam que eu era e sempre fui um ditador, Em quarenta e dois anos só agora perceberam que sempre fui e sou louco, E em quarenta e dois anos que sempre me receberam de braços abertos em todo o mundo e me deixavam montar a tenda e fechavam os olhos às minhas loucuras só agora descobriram que eu não presto,

 

Eu olhei-o, parei num dos caixotes do lixo, levanto os braços e coloco as mãos na cabeça, e disse-lhe Sabe, enquanto precisam de nós toda a gente se deita aos nossos pés e toda a gente diz que somos bons meninos, Ele é muito bom menino, ouvi-o eu tantas vezes, não referindo-se a si, mas a outros, mas quando já não interessamos, quando não interessamos dizem Ele é louco, Ele é ditador, Ele fala porque está desempregado,

 

É a vida, Senhor Coronel,

 

Deixaram de precisar de si.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:20

E que a vida é uma roda que gira e gira e gira sem parar já eu sabia, e desde criança que o sei, e que não existem milagres, e que desde criança que o sei, mas acredito que o velho Armindo, enrolado na sua corcunda e nos anos, nos vai ajudar, e só ele, e só ele que sempre fez girar a roda da vida, e só ele que sempre com a pesadíssima manivela deu corda à roda da vida; e só me resta que o velho Armindo, e que nunca me abandonou, faça girar a roda, um quarto de volta ou meia volta.

 

E que a vida é uma roda que gira e gira e gira sem parar já eu sabia, e também sei que o velho Armindo nos vai ajudar, só ele nos pode ajudar.

 

Porque o velho Armindo nunca, nunca, nunca me abandonou…, porque o velho Armindo nunca, nunca, nunca me deixou ficar mal.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:43
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Nada acontece,

Nem vento

Nem tempestade

Nem encanto

Nem saudade.

 

Nada acontece,

Nem vento

Nem tempestade

Nem o orgasmo lento

Da liberdade.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:31

Entras madrugada

Sem dizeres bom dia

Sem dizeres nada,

Entras e olhas-me

E ignoras-me como se eu fosse uma sombra

Um arbusto de jardim,

 

Entras madrugada

E nem um olhar

Ou um sorriso ao acordar

Entas sem dizer nada,

 

Entras madrugada

Sem dizeres bom dia

Sem dizeres nada,

Entras madrugada

No meu corpo sem saída

No meu corpo de nada…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:29

No mar da poesia

Onde marés e ventos

Gaivotas procuram alimentos

Num barco que mia,

 

No mar da poesia

As mulheres belas

Agarram-se às janelas

E as saias enrolam-se em ventanias,

 

E é este mar da poesia

Que me entra e não consegue sair

E entre partir e não partir

Ancoro o meu corpo ao dia…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:39

Por muito que eu queira

Não consigo,

E quando consigo

Não me deixam…

 

Não posso ter o que quero

E nunca tive o que queria,

 

E quando consigo

Não me deixam,

E por muito que eu queria

Não consigo,

 

Ver a luz do dia!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:27
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É mentira

Gente que me mente

Toda a gente,

 

O mar não existe

O céu e as estrelas não existem

E a lua

A lua é quadrada

Não existem árvores

E os pássaros são mentira,

 

É mentira

Gente que me mente

Toda a gente,

 

E que nunca estive em Luanda

Nunca nunca brinquei em Luanda

Luanda não existe

Os barcos são mentira

E os papagaios de papel

São sombras,

 

É mentira

Gente que me mente

Toda a gente,

 

Eu não sou Francisco Luís

Nem tão pouco Rodrigues Fontinha

Que ideia…é mentira

Eu sou mentira

Não existo e nunca existi

E tão pouco sei voar,

 

É mentira

Gente que me mente

Toda a gente,

 

E antes de adormecer

Olho o teto e vejo a mentira

Vejo estrelas a brilhar

E um corpo a sofrer…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:02

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