E quando o teu corpo se extingue na tarde, e sobre mim,
Pausadamente caiem as gotinhas de suor da tua pele, nos lábios das nuvens um albatroz olha-nos e ao fundo do corredor fica o mar, a boca das horas em beijos atrevidos ao pêndulo do relógio estacionada na parede da sala, e após a música que nos transporta para o santuário de Fátima as seis badaladas, e no quarto procuro os pedacinhos de ti, do mar chegam-nos sorrisos de crianças e vozes de mãe, e a minha mãe chama-me na ilha do Mussulo,
Eu pequenino em tropeções nas covinhas da areia, e sempre de costas viradas para o mar, sempre, e ao fundo do corredor é só abrir a porta e entrar dentro do mar, e hoje, hoje não tenho medo do mar, hoje e agora, agora e hoje pegava na tua mãozinha e começava a caminhar corredor fora, abríamos a porta, e mar adentro,
E as oliveiras na tuas mão, a as velhinhas aos gritos na missa quando tu pregavas com pioneses as saias rodadas aos bancos onde se sentavam, eras tão marota,
E ainda hoje juras que vais pregar-me uma partida, acredito, mas deixa lá, deixamos para mais tarde, agora e hoje, hoje e agora vamos caminhar no mar, vamos,
E o mar do Mussulo tão límpido, e o céu tão azul, e eu tão pequenino, e quase conseguia esconder-me nas covinhas da areia,
E hoje o nosso mar fica ao fundo do corredor, abrimos a porta e entramos, e dás-me a tua mãozinha tépida e começamos sem darmos conta a entrar nas ondas, e deitados e abraçados sonhamos que amanhã uma gaivota poisará no teu corpo e novamente junte todos os pedacinhos que se extinguiram na tarde de ontem,
E sobre mim,
O Mussulo inteiro, Luanda inteira, as nuvens de o céu, os barcos e as meninas e os meninos, e todos, todos vamos olhar o mar, abrimos a porta, entramos, dás-me a tua mãozinha e começamos a caminhar…
E pausadamente as gotinhas de suor da tua pele entram em mim, e de mim, de mim caiem silêncios nos teus lábios…