Porque caiem as maçãs no meu quintal, uma e outra e mais outra, de manhã, à tarde e à noite, toda a noite, e oiço-as tombar no cimento, e oiço-lhes os ais e os uis, e parecem pombas quando abatidas por um caçador furtivo,
Newtom dir-me-ia que As maçãs caiem devido à gravidade, o doutor psiquiatra que As maçãs caiem devido à solidão e saudade, e eu, e eu que nem uma coisa nem outra, As maçãs caiem no meu quintal, primeiro porque existem macieiras, e segundo porque se suicidam, despregam-se da árvore, e pum, e a tarde evapora-se,
Desistem de viver,
O doutor psiquiatra olha-me e de receituário na mão diz-me Com estes comprimidos e uns passeios junto ao mar, elas, elas ficam como novas e deixam de cair, Não percebo, não percebo, e pergunto-me, e pergunto-lhe Qual a semelhança entre o mar e caírem as maçãs no meu quintal,
Nenhuma, responde-me o doutor psiquiatra, e continua Você ainda não percebeu que sou maluco?, respondo-lhe que não, Não, não sabia, e eu, e eu que pensava ser o único maluco nesta terra,
Poesia, imaginação ou… tubos de LEDs?, e as maçãs caiem, os figos caiem, e as bananeiras, as bananeiras estatelam-se sobre a terra agreste do quintal, tudo em ruínas, ruinas ruinas ruinas ruinas, a minha vida retalhada em pedaços de amêndoa, e quem me está a ler, se alguém tem paciência para ler estas porcarias, pensa e grita e escreve nas paredes Este tipo ficou maluco!, fiquei e fiquei e fiquei, mas ainda me mantenho em pé, ao contrário das maçãs que constantemente caiem, constantemente caiem da noite e não me deixam dormir, pensar, viver, caminhar,
E porquê poesia, imaginação ou… tubos de LEDs?, por nada, porque sou maluco,
E porque sou maluco imagino maçãs a caírem no meu quintal, e porque sou maluco imagino que vivi perto do mar, e a verdade, não sei o que é o mar e nunca o vi, tão pouco sei ler ou escrever, e nunca vi barcos, e nunca vi aviões, e nunca vi pássaros, e a verdade, a verdade que fiquei maluco, e fiquei e fiquei e fiquei, e nunca estive em Luanda, a verdade, que no céu não existem estrelas, e a luz, a luz não existe,
A verdade, que caiem maçãs no meu quintal, a verdade, sim, fiquei maluco maluco e maluco, a verdade, que me olho ao espelho, e eu, e eu não lá, no espelho um corpo travestido, um homem velho e vestido de mulher, os seios extinguiram-se numa tarde junto ao Tejo, e o púbis, Qual púbis, pá?, o púbis deve andar pelas ruas desertas da minha infância, que é verdade, nunca estive em Luanda, Que ideia, Luanda!, Luanda nem existe segreda-me o doutor psiquiatra, e eu, e eu acredito, e repito, e grito…
Luanda nunca existiu, e as maçãs não caiem sobre o cimento doente, não e não e não, e passei-me, e farto-me deste corpo travestido sentado a olhar cacilheiros e ondas e gaivotas e putas e paneleiros e o rio e os cigarros que se engasgam na ponte 25 de abril, um carro chia, adormece, e da noite caiem maçãs no meu quintal,
Caiem e caiem e caiem, e Luanda nunca existiu, e que nunca estive em Lisboa, e que não sei o que é o Tejo, nunca o vi, é tudo mentira, Belém?, que Belém, pá?, nem Belém nem Calçada da Ajuda, quanto mais o Tejo…
Quanto mais cacilheiros.
(texto de ficção)