Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Ago 11

Eu de mentira

Um boneco construído em capim

Revestido a sonhos de Luanda

Eu de mentira sentado no jardim

 

Na mentira,

 

Eu de mentira

Em frestas de luz quando da tarde acorda o mar

Na sombra do musseque

Caminhando sem parar

 

Na mentira,

 

Eu de mentira

Um boneco construído em capim

Um boneco encaixotado num barco a vapor

Eu de mentira embrulhado em cetim

 

Na mentira,

 

Eu de mentira

Quando a noite desce suavemente sobre o rio

E nos meus braços os sargaços de ti

Miúda em cio

 

Na mentira de mim.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

Porque caiem as maçãs no meu quintal, uma e outra e mais outra, de manhã, à tarde e à noite, toda a noite, e oiço-as tombar no cimento, e oiço-lhes os ais e os uis, e parecem pombas quando abatidas por um caçador furtivo,

 

Newtom dir-me-ia que As maçãs caiem devido à gravidade, o doutor psiquiatra que As maçãs caiem devido à solidão e saudade, e eu, e eu que nem uma coisa nem outra, As maçãs caiem no meu quintal, primeiro porque existem macieiras, e segundo porque se suicidam, despregam-se da árvore, e pum, e a tarde evapora-se,

 

 Desistem de viver,

 

O doutor psiquiatra olha-me e de receituário na mão diz-me Com estes comprimidos e uns passeios junto ao mar, elas, elas ficam como novas e deixam de cair, Não percebo, não percebo, e pergunto-me, e pergunto-lhe Qual a semelhança entre o mar e caírem as maçãs no meu quintal,

 

Nenhuma, responde-me o doutor psiquiatra, e continua Você ainda não percebeu que sou maluco?, respondo-lhe que não, Não, não sabia, e eu, e eu que pensava ser o único maluco nesta terra,

 

Poesia, imaginação ou… tubos de LEDs?, e as maçãs caiem, os figos caiem, e as bananeiras, as bananeiras estatelam-se sobre a terra agreste do quintal, tudo em ruínas, ruinas ruinas ruinas ruinas, a minha vida retalhada em pedaços de amêndoa, e quem me está a ler, se alguém tem paciência para ler estas porcarias, pensa e grita e escreve nas paredes Este tipo ficou maluco!, fiquei e fiquei e fiquei, mas ainda me mantenho em pé, ao contrário das maçãs que constantemente caiem, constantemente caiem da noite e não me deixam dormir, pensar, viver, caminhar,

 

E porquê poesia, imaginação ou… tubos de LEDs?, por nada, porque sou maluco,

 

E porque sou maluco imagino maçãs a caírem no meu quintal, e porque sou maluco imagino que vivi perto do mar, e a verdade, não sei o que é o mar e nunca o vi, tão pouco sei ler ou escrever, e nunca vi barcos, e nunca vi aviões, e nunca vi pássaros, e a verdade, a verdade que fiquei maluco, e fiquei e fiquei e fiquei, e nunca estive em Luanda, a verdade, que no céu não existem estrelas, e a luz, a luz não existe,

 

A verdade, que caiem maçãs no meu quintal, a verdade, sim, fiquei maluco maluco e maluco, a verdade, que me olho ao espelho, e eu, e eu não lá, no espelho um corpo travestido, um homem velho e vestido de mulher, os seios extinguiram-se numa tarde junto ao Tejo, e o púbis, Qual púbis, pá?, o púbis deve andar pelas ruas desertas da minha infância, que é verdade, nunca estive em Luanda, Que ideia, Luanda!, Luanda nem existe segreda-me o doutor psiquiatra, e eu, e eu acredito, e repito, e grito…

 

Luanda nunca existiu, e as maçãs não caiem sobre o cimento doente, não e não e não, e passei-me, e farto-me deste corpo travestido sentado a olhar cacilheiros e ondas e gaivotas e putas e paneleiros e o rio e os cigarros que se engasgam na ponte 25 de abril, um carro chia, adormece, e da noite caiem maçãs no meu quintal,

 

Caiem e caiem e caiem, e Luanda nunca existiu, e que nunca estive em Lisboa, e que não sei o que é o Tejo, nunca o vi, é tudo mentira, Belém?, que Belém, pá?, nem Belém nem Calçada da Ajuda, quanto mais o Tejo…

 

Quanto mais cacilheiros.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:03

O limite da sombra quando o mar tende para o infinito, os dias que entram pela minha janela e escondem-se junto ao rodapé, um cigarro aceso no sofrimento da dor, o limite da sombra na minha mão quando na ardósia da tarde escrevo Estou farto, cansado, desiludido, Estou farto!, escrevo quinhentas vezes, e escrevo, e escrevo Estou farto!, e no final obrigam-me a repetir o castigo, comecei em um, e dizem, e dizem-me O zero também é número, e repito, e cansado, as mãos poisadas no chão incandescente do sol de agosto, o asfalto derrete-se em mim, fico colado ao pavimento, e subo e desço, zero um dois três quatro, e eu penso Nunca, nunca vou conseguir chegar a quinhentos,

 

Cansado, desiludido, os dias extinguem-se nos furos do cinto, e cada vez mais magro, e cada vez mais desiludido, cansado, e desiludo com tudo o que me rodeia, com o sol, com as nuvens, com as flores, e escrevo Estou farto!, quinhentas vezes, mil vezes, preencho na totalidade a ardósia da tarde, a tarde mingua e desaparece, e eu, e eu aqui sentado a olhar para livros desfeitos em cadáveres, o cheiro intenso a podre das folhas enrugadas, e escrevo na ardósia da tarde Estou farto!, quinhentas vezes, mil vezes, duas mil vezes,

 

O limite da sombra quando o mar tende para o infinito, as árvores quando se deitam sobre os lábios dos relógios e de pulsos rabugentos gritam Estou farto!, cansado, desiludido com tudo, e os pássaros que poisam nos meus ombros, e pesam, e não me deixam caminhar quando sobre a mesa da cozinha um prato de sopa me espera e me diz Estás tão magro, francisco, fico calado, e um prato de sopa me espera quando o néon do teto cai sobre mim, brilham estrelas, acendem-se todas as luzes do céu, chove, começa a chover sobre o meu corpo, e gotinhas de água alicerçam-se no meu peito, o coração começa a diminuir as pulsações e de cento e vinte por minuto, aos poucos, aos pucos dou-me conta que neste preciso momento a minha pulsação é de três pulsações por minuto, ainda respiro, e deixo de ver o prato de sopa,

 

E a cozinha tomba ribanceira abaixo, e em voo retilíneo cai sobre as rochas junto ao mar, o coração salta do meu peito, e cessa de bombear a saliva da minha garganta,

 

E as gaivotas começam a comer o meu corpo em minutos de almoço.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:30

Um dia vou acordar

E dar-me conta que roubaram os meus olhos

Que não tenho mãos

E que os dias são pedacinhos de papel,

 

Mortalhas semeadas no vento

Cigarros esquecidos no amanhecer

Um dia vou acordar

E o meu corpo em migalhas de nada,

 

Nos silêncios de viver,

 

Um dia vou acordar

E tudo que tinha foi roubado

Tiraram-me o mar

E a vontade de estar acordado…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:03

O fio da navalha pregado no meu pescoço

E a manhã emagrece e das horas oiço o silêncio

Das minhas mãos suspende-se um crucifixo

Que me olha impaciente,

 

Tem-me medo, e se esconde na sombra dos plátanos,

Pendura-se nos meus ombros

E olha-me

E olha-me,

 

O fio da navalha cravado nas minhas veias

E a morte espreita-me pela janela

O mar entra em mim

E o mar me leva para longe…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:57
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A seara dos teus cabelos

Quando se alicerça em ti o centeio

As espigas doiradas dos teus olhos

E da terra lavrada acorda a manhã,

 

E poisa o sol na tua mão

E brincam as nuvens nos teus seios

A seara dos teus cabelos

Dos teus lábios acesos,

 

Em teus lábios aos beijos,

O silêncio que te adormece

Na seara dos teus cabelos

E o dia termina em ti,

 

E a noite entra no teu peito

As estrelas alimentam-se da seara dos teus cabelos

As espigas dos teus olhos cerram-se

E da lua crescem sorrisos…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:02
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