Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

30
Set 11

Aqui pelo Douro os socalcos começam a descer até ao rio,

O cigarro debruçado no peitoril da janela e ao longe o latir de um canino, os risquinhos dos taludes sobressaem das margens e as palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio,

Das silabas de uva acorda a saliva do amanhecer e a manhã em pedacinhos de árvore que balança contra os desejos do sol,

O rio segura com mãos trémulas os socalcos envenenados por fios de luz, o parvo do meu irmão cisma que se subir até à copa de uma oliveira consegue acariciar as estrelas e a minha mãe acredita que a noite é uma mentira e que não existe, o parvo do meu irmão a sorrir,

- Vês consigo tocar as estrelas,

O parvo do meu irmão sentado na despensa do céu à espera que a minha mãe o chame para almoçar,

- Mãe o que é o almoço?

A minha mãe responde-lhe que não sabe,

O parvo do meu irmão sorri dentro da despensa do céu, eu ergo a cabeça e mal consigo ver o parvo do meu irmão, começou a diminuir e parece uma abelha à procura das nuvens,

Uma abelha que saboreia a doçura dos baguinhos de uva quase a adormecerem junto ao rio e a minha mãe que o almoço é caldo de cebola, broa de centeio e sardinha assada,

- Agora lembro-me o que é o almoço Caldo de cebola, broa de centeio e sardinha assada,

E o parvo do meu irmão começa a descer da oliveira vagarosamente e aos poucos ergue-se do corpo de abelha ainda com os lábios embebidos no açúcar,

E fica crescido e homem,

- Francisco vem almoçar, aqui pelo Douro os socalcos começam a descer até ao rio, a minha mãe responde-lhe que não sabe,

E eu pergunto-me porquê Porquê mãe,

- Francisco vem almoçar,

E quando ela me trata por Francisco sei que tenho o caldo entornado,

Sempre assim,

Desde que nasci,

Francisco para as ocasiões muito especiais,

Francisco quando me porto mal, e vejo o meu triciclo no quintal de Luanda às voltas da perna da mangueira,

- Olá menino,

O parvalhão do meu irmão que brinca na sombra do avô Domingos e sobre o portão de entrada os socalcos começam a descer até ao rio, o caracol da CP despede-se do fim de tarde e ao longe o latir de um canino, os risquinhos dos taludes sobressaem das margens e as palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio, e o rio segura com mãos trémulas os socalcos envenenados por fios de luz,

- Olá menino,

Sempre assim,

Desde que nasci,

As palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:21

O último poema,

As sílabas

E as vogais,

Hoje cai a noite sobre o meu corpo

E as estrelas devagarinho

Adormecem nos meus olhos,

Uis e ais

E cansaços tais,

O último poema

Antes de eu adormecer,

Cerrar os cortinados

E de olhos fechados

Procurar o comutador

Entre as fendas da parede do meu sonho…

Desço a mão até ao peito

E acaricio o amor,

E sem jeito

Começo a voar,

 

O último poema,

As sílabas

E as vogais,

 

E quando acordar

Um silêncio de néon enrolado

No último poema,

 

E sinto dentro de mim o mar…

 

Que brinca na minha cama.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:17

29
Set 11

Desejo que adormeças nos meus braços

E que poises os teus cabelos nos meus lábios

Desejo a madrugada suspensa na minha janela

Desejo a lua que sorri às estrelas

As gaivotas do teu olhar

Desejo a tua mão

No meu rosto

Mergulhado no Luar

 

Desejo viver

E voar

 

Desejo a manhã em silêncios de luz

Desejo correr e saltar

No beijo desejado

Do beijo que me seduz

 

Desejo a tua boca de cereja

No meu corpo cansado…

 

Desejo ser o poema

Na Pétala de uma rosa amarela

Na minha cama

A chama que arde sem se cansar de uma vela…

E que se evapora no altar

Desejo amar

Sobre os rios que descem a montanha

E que correm para o mar

 

Desejo as flores que me acompanham na algibeira

A água fresca da ribeira

Desejo ser amado

E abraçado

 

Desejo que adormeças nos meus braços

E que poises os teus cabelos nos meus lábios

Desejo a madrugada suspensa na minha janela

 

Na pétala de uma rosa amarela!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:23

Oiço a voz cansada do fim de tarde

Nas entranhas dos socalcos mastigados

Oiço o levitar agitado da manhã

Enquanto me sento e levanto

 

E corro entre o xisto magoado

Prendo-me ao monitor do computador

E da janela oiço a voz cansada do João

Do Manuel do Zé do Carlos e das nuvens em solidão…

 

E do António agarrado a uma flor

Sonâmbulo sobre quatro rodas do trator

Oiço oiço o Manuel a gritar…

- Doze e dezoito

 

Impossível penso eu

Deve ser das ondas do mar

Olho o céu

E oiço o Manuel a cantar

 

Enrolado nos braços do Rui

Oiço as pedras sobre o pôr-do-sol

E o Manuel a ateimar

- Doze e dezoito

 

Impossível de dar

Não há uva que resista

A tanto chorar…

 

Cerro a janela

E desligo-me do douro adormecido

Deixo a uva bela

Na cuba a fermentar

E amanhã do meu corpo dorido

Vão crescer sonhos de sonhar…

 

E oiço oiço um cão a ladrar

Na paisagem ente o rio e a montanha

Socalcos mastigados

Na garganta de uma aranha

 

Oiço a voz cansada do fim de tarde

Nas entranhas dos socalcos mastigados

 

E das lâmpadas do céu-da-boca

Acordam os meus lábios apaixonados…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:31

28
Set 11

Ontem quando acordei estava dentro de um oleado, abro os olhos e uma finíssima pelicula de nevoeiro poisava nos meus olhos, desenlaço as mãos, e percebo que estava dentro de uma câmara frigorífica,

Ontem morri,

- Causa da morte Saudade escrevia o médico legista no papel suspenso da mão encardida pelas geadas do inverno agreste de Trás-os-Montes e segredava à colega que nunca tinha observado um cadáver em tão mau estado Nunca observei um cadáver em tão mau estado Triste Muito Triste,

Ontem morri antes de acordar a manhã e no preciso momento que me evaporo sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar,

- Nunca observei um cadáver em tão mau estado, Triste, barba do tamanho de ramos de amoreira, cabelo solto devido ao vento que bate na janela virada para a garagem onde dormem os carros funerários, e que se passeavam sobre o mar,

Os malmequeres de mão dada aos silêncios em desejo, gotinhas de água saltitavam no corpo dela, e a colega do médico legista tapava as narinas devido ao cheiro nauseabundo do meu corpo, e ontem morri antes de acordar, e sonhava,

- Hora provável da morte cerca das sete horas e trinta minutos, sexo masculino, um metro e setenta e cinco centímetros e aproximadamente sessenta e sete quilogramas de peso, olhos castanhos, e sem cabelo,

A serra elétrica que entra no meu crânio e um ovo de perdiz a dissolver-se dentro de mim, a serra elétrica a romper-me e aos poucos o médico legista a retirar o pedacinho circular, os miolos aflitos no néon da morgue, e no meu peito a colega do médico legista com uma tesoura de poda a vindimar-me os fios escuros das costelas, e o alcatrão dos meus cigarros embatem no teto,

E caiem sobre a esponja amarelada da minha gordura,

- Olhos castanhos, causa provável da morte Saudade ou Solidão, Desculpe colega não percebi a médica legista que mergulhava as mãos nas minhas vísceras,

E caiem sobre a esponja amarelada malmequeres que passeavam sobre o mar,

- Ou morreu de saudade ou de solidão mas inclino-me mais para a Solidão, e a solidão dói e mata dizia a médica legista para o médico legista,

Porra… murmuravam os meus lábios quando se aproximava o serrote de carpinteiro,

Ontem morri, e por voltas das sete horas e trinta minutos senti a velhinha vestida no negro da noite passear-se no corredor de minha casa, levantei um pouco a cabeça e voltei a poisa-la sobre a almofada embebida na saudade das manhãs quando olhava o mar, e o cangalheiro bateu à porta Dá licença doutor? E o doutor de serra elétrica na mão que sim e pode entrar, e o cangalheiro se faltava muito para terminar Falta muito doutor? E que não, é só fazer as bainhas e coser os cromados,

- E vestir e desfazer a barba e pentear os poucos cabelos que sobraram da serra elétrica respondo-lhe eu,

E enquanto cosiam as mantinhas do meu corpo eu pensava e sentia o frio da pedra mármore nas minhas costas e pensava na gripe quando estivesse debaixo da terra junto à raiz de uma oliveira,

- E sonhava quando morri, Muito Triste,

Ontem morri antes de acordar a manhã e no preciso momento que me evaporo sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar,

E morri que sonhava,

E sonhei que morri,

E ontem nem sonhei nem morri,

Adormeci docemente dentro de um caixão decorado com solidão e saudade, e sonhava quando morri Olhos castanhos, causa provável da morte Saudade ou Solidão, sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar… Muito Triste.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:10

O homem do chapéu de palha

Deitado sobre o sorriso da lua,

Desce uma estrela e poisa nas arcadas do vento,

Uma flor tropeça e mergulha

Nas águas silenciosas da noite,

O homem do chapéu de palha

Flutua,

E nos lábios da maré

Extinguem-se as gaivotas em sofrimento…

E evaporam-se nas águas silenciosas da noite,

O homem deixa de ser homem,

E a lua começa a chorar…

 

E a lua cerra os olhos

Dentro do mar,

O homem do chapéu de palha abre as janelas da noite,

E finíssimos fios de luz adormecem no soalho do pôr-do-sol,

 

Morre o homem,

E o chapéu de palha esconde-se no vento…

Duzentos e seis ossos

E meio quilograma de sulfuroso,

 

O homem do chapéu de palha

Deitado sobre o sorriso da lua,

 

Morre o homem,

Morre a lua,

E pinta-se o pôr-do-sol de vermelho

Quando se abraça às rosas do jardim,

 

E sonha a noite!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:57

A noite desce

E eu abraço-me a nada,

Espero a chegada

De uma nuvem amarrotada

Ou de um sorriso encardido…

A noite desce

E eu abraço-me a nada,

E fico esquecido,

Na noite que desce

E adormece,

E eu abraço-me a nada,

A noite desce,

E na lâmpada apagada

A solidão aparece,

A solidão na minha cama deitada…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:13

27
Set 11

 

Todos os dias o meu corpo sente

As ranhuras da chuva,

Todos os dias o meu corpo ausente

Na neblina da manhã,

 

O meu corpo sente

E mente,

 

Todos os dias as ranhuras da chuva

Nos cansaços da semente,

Todos os dias o meu corpo sente

As gaivotas quando acordam junto ao mar…

 

O meu corpo sente

E mente,        

                              

E não consegue voar…

 

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34
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Traz o vento o beijo invisível aos lábios da princesa, e no castelo adormecido sobre as acácias o meu irmão João enrolado nas manhãs submersas na espuma da solidão,

Caiem pedras sobre o rio,

E a princesa descalça tropeça nas pedras que caiem sobre o rio,

 

- O meu corpo deseja-se e ausenta-se quando me aproximo das árvores do jardim as pequeníssimas silabas que a princesa deixava cair sobre a areia húmida da noite, e um dia sentei-me sobre as sombras que corriam nos carris com destino a Cais de Sodré, e antes de chegar ao fim do meu trajeto olhei o rio, olhei-o como quando se olha um desejo escondido numa ruela adormecida, e ouvi a voz do rio emaranhada em amêndoas com chocolate, o meu pai pegava-me na mão e procurava na algibeira os cigarros que tinha deixado adormecer no domingo passado, eles cansados, acendia-os e eles recusavam-se a caminhar à nossa beira,

 

E baixavam os braços,

 

Quando o castelo começava a acordar e as janelas se abriam para deixar entrar o vento que trazia os beijos invisíveis da princesa e já em pleno corredor brincavam com os sorrisos dos cortinados e se abraçavam à claridade minúscula que se erguia junto ao pavimento,

 

- E baixavam os braços,

 

E se abraçavam à claridade minúscula que todas as noites o soalho guardava na mão misera quando no mar o enforcado debatia-se com a maré e a ausência do vento,

 

- E sem vento não beijos invisíveis,

 

O meu irmão João que brincava nos altíssimos ramos da acácia frente ao mar, e que corria, e que saltava, e que um dia experimentou a lei da gravidade, e sem gravidade desenhou arranhões nos braços e nas pernas,

 

- E baixavam os braços e entravam beijos invisíveis pelas janelas, os cortinados baloiçavam como crianças escondidas nos quintais de Luanda, as mangueiras deitavam-se no chão emagrecido e as andorinhas à procura de vogais e frases e restos de poemas,

 

Numa ruela adormecida, a calçada nos enjoos da manhã depois de uma noite de embriaguez à procura de vogais e frases e restos de poemas, e o meu irmão João de braços cruzados a sentir o mar a entrar-lhe dentro do corpo,

 

- Sai daí João,

 

Não, e não saio,

 

E baixavam os braços na magreza do enforcado, e que não saio berrava o meu irmão, e quero o mar dentro de mim,

 

- O meu corpo deseja-se e ausenta-se quando me aproximo das árvores do jardim as pequeníssimas silabas,

 

E que não saio,

 

Das pequeníssimas silabas o vento que traz os beijos invisíveis da princesa,

 

- E que não saio,

 

E que quero o mar dentro de mim, quando a sombra que corria nos carris chegava a Cais de Sodré saía da estação e escondia-se debaixo da rampa na companhia de homens vestidos de mulher, e de mulheres pensando que eram homens,

 

- E que não saio,

 

E de mulheres pensando que eram homens e que eram mulheres de garganta aberta e nos dentes as vogais as frases e restos de poemas, e cansaços da vida,

 

- E que não saio,

 

Que as andorinhas procuravam junto ao mar.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:48

O beijo invisível

Nos lábios de uma flor cansada,

A noite desce

E desaparece,

E volta a aparecer na madrugada,

 

A sedução de milhões de cores

Abraçadas a pétalas desgovernadas,

Desejam-se os amores

Nas flores deitadas,

 

O beijo invisível

Na boca da noite silenciosa,

As estrelas poisadas sobre a mesa-de-cabeceira…

E da janela vem a lua apetitosa

Em sorrisos de feiticeira,

 

Em desejos de freira,

O beijo invisível

Nos lábios de uma flor cansada,

A noite desce

E desaparece,

E nos lábios da minha amada

A água sibilada da ribeira…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:03

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