Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Set 11

Hoje o mar entrou-me pela janela, hoje percebi o poema do AL Berto enquanto via o mar a enrolar-se no meu corpo esquelético, estava sentado e olhava fixamente a janela do meu quarto, simplesmente olhava e olhava e olhava, e da parede os gemidos do crucifixo que alguém esqueceu no meu quarto, abelhas poisavam sobre flores perdidas no jardim do éden, Adão e Eva não se entendiam, e eu deixei de os perceber,

 

E eu deixei de me perceber,

 

Faz frio, tenho frio, possivelmente o mar entranhou-se nos meus ossos poeirentos, rangem como as árvores quando estão tristes, e como os pássaros no final do verão, e eu deixei de me perceber, e eu deixei de perceber o que devia perceber, concluo que não sei nada de nada e não percebo nada de nada,

 

Hoje o mar entrou-me pela janela, e enrolou-se no meu corpo esquelético, tenho frio, e faz frio, as estrelas não acordaram e a lua perdeu-se num apeadeiro qualquer da linha do Douro, o rio sobe os degraus da carruagem e senta-se junto à janela, estou sentado, e não faço nada, olho a parede e a janela, e o mar começa a entrar pela minha janela, E obrigado, AL Berto!,

 

Obrigado pelo teu poema, eu, eu que nunca acreditei que o mar conseguisse entrar pela janela, e hoje, hoje o mar entrou em mim e enrolou-se no meu corpo esquelético,

 

A carruagem engasgada junto aos socalcos e o rio sorri para a paisagem doirada, um fiozinho de pó saltita encosta abaixo, e o rio parece feliz, e eu no quarto às voltas com o mar e com a maré, eu no quarto às voltas com o pôr-do-sol, e eu no quarto às voltas sem fazer anda, invento personagens, invento palavras para dizer ao ouvido do mar, e invento barcos para passear nas suas mãos,

 

E pinto gaivotas na parede e elas fingem que voam, abrem as asas e perdem-se nas frestas finíssimas da parede, e pinto estrelas no teto, e o teto apaga-as, e quando olho, nem estrelas, nem lua, nem céu,

 

Os barcos e as personagens saem de mim e deixam-me sozinho com o mar, tenho frio, faz frio, e o mar poisa docemente na minha mesa-de-cabeceira, apago aluz e adormeço, e deixei de ver o mar, e deixei de ver as estrelas, e deixei de ver a lua, e o céu,

 

Apenas oiço Adão e Eva em murmúrios no jardim do éden…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:57

Que vida

Viver,

Numa rua sem saída

E sem comer,

 

Que vida viver

Caminhar sem caminhar

Que vida viver

Sem ver o mar,

 

Que vida viver

Agachado na solidão

Fingir que tenho na mão

Um livro para ler,

 

E não tenho livros para ler

E não tenho sonhos para sonhar,

Que vida viver

Sem ver o mar,

 

Que vida

Viver,

Numa rua sem saída

E sem comer,

 

Numa rua abandonada

Das ruas sem viver,

Que vida viver a madrugada

Quando um rio está a sofrer…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:07
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Não sei o que fazer, ele enquanto olhava o precipício e com a ponta do sapato ia lançado pedacinhos de areia, e a areia evaporava-se no aperto que sentia dentro do peito, o coração palpitava e saiu porta fora, e saltitava nas rochas,

 

Descalça os sapatos e atira-os como quem lança pedras, os sapatos descrevem uma trajetória de projétil e estatelam-se sobre o mar, e ele Dos sapatos já estou livre,

 

Mas nem sempre são os sapatos que nos pesam, dizia-lhe eu enquanto o convencia a sair de perto do penhasco, e ele para mim Às vezes o peso está no corpo!, e respondo-lhe que sim, e ele tem razão, às vezes o peso está no corpo, nas mãos, nos olhos, nas flores, nas nuvens, no amor, mas nada nos garante que depois de cairmos precipício abaixo o peso diminua, o corpo morre, mas o peso continua lá,

 

Não sei o que fazer, ele enquanto olhava o precipício e com a ponta do sapato ia lançado pedacinhos de areia, e às vezes ficamos sem saber o que fazer dizia-lhe eu Às vezes ficamos sem saber o que fazer!, e quando ficamos sem saber o que fazer o melhor é não fazer nada, e assim evitamos cair pelo precipício, e o arrependimento pode ser tarde,

 

Das calças já estou livre!, e aos poucos todas as peças de roupa precipício abaixo, todas, fica nu, e eu pergunto-lhe E agora?, ele prende os olhos no infinito e responde-me que vai começar a atirar penhasco abaixo cada um dos seus ossos, primeiro um, depois outro, depois outro, e eu discordo, porque levará muito tempo, porque para deitar fora duzentos e seis ossos é uma eternidade,

 

E começa a descer a noite, a neblina entranha-se-lhe no corpo, o coração galga o penhasco e novamente no conforto do peito, e ele senta-se numa pedra a olhar o acordar da noite, e eu despeço-me dele e continuo a caminhar paralelamente ao precipício, a um metro do vazio, e uma voz sussurra-me ao ouvido Ainda bem que não te atiraste, agora não caminhavas rente ao penhasco!,

 

Nem via as gaivotas de regresso a casa.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:59

Recomecei a ter sonhos

E mais uma vez

Percebo que são impossíveis de realizar,

Recomecei a ter sonhos

E mais uma vez

Percebo que não posso sonhar,

 

Recomecei a ter sonhos

Mas os sonhos são apenas sonhos…

Nunca passarão de sonhos,

 

Recomecei a ter sonhos

E os sonhos são como as palavras,

Vem o vento e as leva

E vem o mar e afoga os sonhos…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:07

E se o rio fingir

Que é rio,

E se o rio que não é rio

É um rio de mentir,

 

E se o rio fingir

Que é rio,

E se o rio que não é rio

É um rio de sorrir,

 

O douro não é a fingir

E os socalcos abraçam-no na madrugada,

No douro há um filho da puta a sorrir

E que proíbe os sonhos da alvorada,

 

E se o rio fingir

Que é rio,

E se o rio que não é rio

É um rio de mentir,

 

E um dia esse filho da puta vai cair,

E um dia o rio que não é rio torna a ser rio a sorrir…

E se o rio fingir

Que é rio,

E se o rio que não é rio

É um rio sem dormir…

 

(poema de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:48

(antes de adormecer, o teu poema)

 

Nem todas as flores são belas

E são flores desejadas,

No mar brincam rosas amarelas

Que são amadas,

 

Nem toas as flores são belas

E são flores desejadas,

E há flores menos belas

Que também são amadas,

E há flores encarnadas

Que não sendo belas

São flores desejadas…

Como as rosas amarelas.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:33
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