Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

06
Set 11

Esconde-te, Esconde-te, gritava dentro da caixa de sapatos a prostituta loira para a prostituta morena, Esconde-te que ele vem aí!, e a neve cansava-se na noite de dezembro, os vidros das janelas tinham desistido de viver e o vento assobiava entre o corredor e o cubículo onde uma sanita poeirenta adormecia, o menino aquecia as mãos na torradeira e a porta de entrada apenas presa por um finíssimo cordel, escadas de acesso ao segundo andar, muito lixo, e móveis que escondiam os desejos de antepassados esquecidos no adro da igreja, as escadas rangiam com o frio, e numa divisão ampla separada por um cobertor, de um lado o colchão do menino, e do outro, do outro o colchão dos pais do menino, e os degraus de madeira deixaram de sorrir,

 

Ratos, ratos subiam e desciam as escadas da casa esquelética,

 

- E eu vinha à janela, e os carros pareciam fios de navalha entre a neve e o vento, e eu perguntava à minha mãe Porquê mãe, porque poisam pedacinhos algodão aqui?, e a minha mãe enquanto limpava as lágrimas explicava-me que não era algodão Não é algodão, meu filho, é neve, Neve?, e o que é neve, mãe?, e uma tarde inteira a subir e a descer degraus caquéticos,

 

E ninguém sabia,

 

Ratos, ratos que me olhavam do canto do cubículo, e de dentro da caixa de sapatos ouvia a voz Esconde-te que ele vem aí!, e eu olhava, e eu não sentia nem via ninguém, apenas neve, vento, e a ausência dos vidros na janela,

 

- Eu começava a chorar Porquê, mãe, porquê?, e a minha mãe fingia que sorria, e durante a noite ouvia-lhe as lágrimas caírem sobre o soalho,

Contava-me as estórias de Luanda para enganar o tempo, explicava-me que aqui não existiam machimbombos, porque aqui era camioneta da carreira, e que o inverno era um senhor muito velho que às vezes tinha tosse, que às vezes muito rabugento, e que às vezes vinha a neve, e eu não percebia a razão do peso enorme nos meus pés, e ao fim do dia, ao fim do dia adormecia, cansado das pesadíssimas botas,

 

E ninguém sabia,

 

E aqui não capim, e aqui não musseques, e aqui não mar,

 

- Porquê, mãe, porquê?, e a minha mãe dizia-me que se eu fechasse os olhos e imaginasse que estava em Luanda, debaixo das mangueiras, o frio fugia de mim, e eu, eu passava tardes inteiras de olhos fechados, e em Luanda eu debaixo das mangueiras a conversar com o triciclo e o chapelhudo,

E ela tinha razão, o frio não entrava em mim,

 

E ninguém sabia,

Eu não sabia que aqui nevava, e que o algodão que eu metia na boca, não era algodão, era neve,

 

Esconde-te, Esconde-te, gritava dentro da caixa de sapatos a prostituta loira para a prostituta morena, Esconde-te que ele vem aí!, e a neve cansava-se na noite de dezembro, os vidros das janelas tinham desistido de viver, e ele cambaleando subia as escadas para o segundo andar, e eu ouvia-lhe as tonturas, e eu ouvia-lhe o pedaço de madeira que transportava junto ao tornozelo, e o caixeiro-viajante sumia-se nas entranhas do frio de dezembro,

 

- Fechava os olhos, e imaginava que brincava no quintal em Luanda, e o frio não entrava em mim....

 

O caixeiro-viajante deitava-se e em contas de cabeça adormecia,

 

E o frio não entrava em mim.

 

(texto de ficção inspirado nos primeiros seis meses em Alijó)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:35

Quando cai a noite

E sobre a mesa sobras de nada

As palavras de ontem

As sílabas dentro do prato vazio,

 

Dos livros a finíssima poeira,

A dor engasgada na tolha,

O candeeiro que geme

E ais e uis tombam no pavimento,

 

O cortinado seminu em delírio

E uma mulher procura a sombra,

E na parede poisa um crucifixo

E ela acredita e ela pede-lhe,

 

E ele sorri,

E ele não a vai abandonar…

Quando cai a noite

E sobre a mesa sobras de nada,

 

Nem palavras,

Nem sílabas,

Nem vogais,

Nem o mar do outro lado da rua,

 

E porque choram os plátanos

Quando cai a noite?

E frestas de luz entram na mão da mulher

E o crucifixo desenha sorrisos na maré,

 

E cai a noite,

E das palavras estrelas perdidas,

E das sílabas palavras pregadas no céu,

E das vogais o silêncio da vida,

 

Recomeçar

E não desistir,

Amar…

E nunca, e nunca deixar de sorrir!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:28

Despede-se a manhã

E nos alicerces da dor

Poisam silêncios

E abelhas cintilam nas pétalas de uma flor,

 

O mar vem até mim

E nas ondas emergem círculos perfeitos

A manhã quase a adormecer

E os rios galgam os leitos,

 

Sobem os socalcos

E invadem o doirado das videiras

E nos alicerces da dor

A manhã despede-se das oliveiras…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:16

Sonhos que se desfazem como pedacinhos de papel, sonhos, e quem nunca teve sonhos?, mas cada sonho que se transforma em cinza um movo sonho começa a ganhar força,

 

Tive muitos sonhos que se desfizeram em pedacinhos de papel, e tive sonhos que dos pedacinhos de papel voltaram a ser sonhos e reais, e não é por um sonho se evaporar que vamos desistir,

 

Eu nunca desisto,

 

E que os amigos são muito porreiros enquanto não temos problemas, porque quando os problemas batem à porta da vida, muitos dos que diziam ser nossos amigos, passam e viram a cara,

 

Nada que eu não esteja habituado,

 

Aprendi até ao dia 9 de Maio de 1994 que a vida é assim, hipocrisias, mentiras, que há sempre alguém numa esquina se for necessário a pregar-nos uma rasteira para conseguir o que quer, e o faz sem olhar a meios, há pessoas que tudo fazem para conseguir o que querem, mas os meus sonhos são construídos com base no meu esforço e capacidades, e não à custa de outros, ou ir para a cama seja com quem for…

 

E aprendi no dia 9 de Maio de 1994 que se eu quiser, eu sou capaz, fui capaz nessa altura, Porque não ser capaz agora?

 

E desde que tenha uma mão onde poisar a minha, tudo é possível acontecer.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:27
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Os farrapos que visto

E escondem as minhas ossadas,

A noite que cai

E entra-me na mão sem novidades,

 

E amanhã, quando acordar, e se acordar,

Tudo será igual a hoje,

Igual a ontem,

Igual aos farrapos que visto,

 

E escondem as minhas ossadas,

Vejo os pássaros e olho-os

E os farrapos encolhem

E os ossos em migalhas…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:47
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