Um murmúrio interrompe a noite, dos lábios dela as ondas do mar em silêncios e flores que se despregam aos bocadinhos e se disfarçam de beijos, os beijos evaporam-se entre as mandibulas das estrelas e a lua, e junto às rochas os chinelos dela poisados sobre o sorriso de uma gaivota, a areia molhada, a impressão dos pés no soalho da praia, e enquanto caminha o vento faz balançar-lhe a saia de ganga,
- A menina olha-me e percebo que dos olhos dela acorda o espanto, e percebo que dos olhos dela subtrai-se a admiração, e talvez se questione, julgo eu pelo sorriso que lhe cresce nos lábios, ela pergunta-se Quem será esta ave de rapina que a esta hora caminha junto à praia, e só, simplesmente só, e nem a sombra o acompanha?, e eu, eu repondo-lhe com um sorriso que nunca ando só e não sou ave de rapina Nunca ando só e não sou ave de rapina!, olhem-me esta miúda, ave de rapina…, eu nem sei voar,
Os chinelos tombam do sorriso da gaivota, e adormecem sobre a peugada esquecida na areia, e algo está errado, porque se os chinelos são dela e a peugada na areia lhe pertence, Porque não coincidem chinelos e peugada,
- Oiço uma voz Estás maluquinho, meu querido!, e não bastava eu ser ave de rapina, e não bastava eu não conseguir voar, agora, agora também sou maluquinho, e daqui a pouco dizem-me que estou a sonhar Estás a sonhar, rapazinho!, qual mar, qual praia, ave de rapina e gaivotas, chinelos e peugada, e oiço outra voz Estás maluquinho, meu querido!,
E inclino-me sobre o meu lado direito, e o mar travestiu-se de estante, a peugada e os chinelos de mão dada aos livros, e as gaivotas e a ave de rapina encolhidas nos cachimbos,
E ela tem razão, e esta miúda é mesmo esperta, E queres ver que estou mesmo maluquinho?,
Um murmúrio interrompe a noite, dos lábios dela as ondas do mar em silêncios e flores que se despregam aos bocadinhos e se disfarçam de beijos, os beijos evaporam-se entre as mandibulas das estrelas e a lua, e malmequeres caminham junto à praia, a água bate-lhes nos pezinhos, sentem um silencioso arrepio e saltitam sobre a areia ainda quente,
- Cerrar os cortinados da noite, e sobre a cama puxo os lençóis de espuma, cubro-me com o mar, ela apaga o candeeiro de estrelas, e quando lhe pego não mão o mar encostado ao meu peito adormece, e brinco com os lábios dela,
Sentem um silencioso arrepio e saltitam sobre a areia ainda quente, e em espaços desordenados desaparecem sobre o mar…
(texto de ficção)