Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

09
Set 11

Sexta-feira, 9 de Setembro de 2011, vinte e duas horas, a condenação a que fui sujeito terminou, ao fim de cinco anos vejo a noite e as estrelas e a lua, e em cinco anos todas as noites desenhava o mar nas paredes da cela, e via os cacilheiros a atravessarem as grades enferrujadas,

 

E em cinco anos de prisão nunca vi o mar, apenas as sombras que se escondiam na minha cama e imaginava ondas recheadas de espuma, e mulheres abraçadas ao pôr-do-sol,

 

Eu deitado sobre as tábuas mergulhadas no caruncho, olhava o teto, e o teto começava a desejar-me, descia e descia e descia, e poisava sobre o meu peito, começava a faltar-me o ar, e cuspia beatas de cigarro,

 

Antes de sair, a Assistente Social abre-me a mão e coloca vinte euros É oferta do estado!, eu pergunto-lhe se é o estado a que isto chegou, ela sorri e diz-me,

 

- O senhor sempre com as suas brincadeiras, respondo-lhe que não estou a brincar Eu não estou a brincar!, E para que preciso eu de vinte euros?, eu precisava de uma casa, comida, roupa,

Vinte euros?, nem tenho onde dormir,

Pois… mas isso é problema seu, responde-me a parvalhona,

Meu problema?

Desculpe minha senhora, desculpe senhora doutora engenheira, mas eu, eu sinceramente recuso-me a passar este portão de chapa zincada,

 

Quero voltar para o meu mar, quero voltar para a minha cama fofinha e de tábuas mergulhadas no caruncho, E depois, e depois como vou dormir sem a comichão dos bichos?

 

O senhor guarda prisional avisa-me que tenho cinco minutos para deixar o estabelecimento comercial, vendem-se papoilas, pedra-pomes, rochas afrodisíacas, migalhas de pão, e não esquecer o Cadillac estacionado junto ao cemitério, o meu avô olha-me, eu olho-o, e a senhora doutora engenheira em gritos histéricos,

 

- Se não sai, se não sai mando chamar a polícia, e eu cá para mim, fixe, porreiro pá, na rua é que não vou dormir,

 

Sexta-feira, 9 de Setembro de 2011, vinte e duas horas, a condenação a que fui sujeito terminou, ao fim de cinco anos vejo a noite e as estrelas e a lua, e sinto um apetite feroz de me deitar sobre as tábuas mergulhadas no caruncho, esticar-me come se fosse uma Cinderela elástica, uma Barbi vestida de homem, olhar o mar que todas as noites fui desenhando nas paredes da cela, olhar as ondas, a mulher abraçada ao pôr-do-sol,

 

E gritar; daqui não saio.

 

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:57

Poetas há muitos,

Que escrevem poesia, poucos,

Eu, não escrevo e não sou poeta,

Sou um curandeiro charlatão,

Um impostor,

Analfabeto?, não,

Não sou analfabeto,

Analfabeto não senhor,

E já vi um analfabeto de bandeira na mão,

E na mão um livro de poesia…

Editado pela Autarquia,

Ai poesia,

Nem merda nem de dia,

E como pode um analfabeto

Escrever poesia?,

Ai querido AL Berto,

Se lesses a poesia

De um analfabeto…

Ai querido AL Berto,

Se tivesses na mão a porcaria

De um livro de poesia,

Editado pela Autarquia…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:08

Hoje, hoje não poema,

Hoje em vez de rimas

Vou dar-te beijos,

Troco as palavras por abraços,

E as vogais,

As vogais substituídas por carícias,

Hoje, hoje não poema,

Tu és o poema,

O teu cabelo as rimas,

O teu corpo misturado com as palavras…

Hoje, hoje o poema és tu,

E sou eu,

Hoje, hoje o poema são os nossos corpos

À procura da noite,

Sobre a cama,

Balançando como a lua,

Em sorrisos,

Em feixes de luz,

Pendurado nas estrelas,

Tu, hoje, és o poema…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:12
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