Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

10
Set 11

Mal consigo pegar na esferográfica, poiso-a e levanto-me, e encosto-me à janela virada para o rio, ao longe entre os socalcos da noite uma luz chama-me, olho-a nas palavras simples que alimentam os girassóis da manhã, os figertips “simple wordas” começam a descer lentamente encosta abaixo, puxo de um cigarro engasgado nos ponteiros de um relógio esquecido na parede da sala, o fumo ergue-se e desaparece pelo vidro da janela, e repetidamente mergulho nas minhas palavras, brinco com a janela e do fumo do meu cigarro a minha voz que se estatela e fica em pedacinhos junto ao rodapé,

 

Os figertips em silêncio, o rádio amuado com a minha presença,

 

A esferográfica sobre a secretária aos rebolões como se fosse um menino na praia de Luanda, a ilha do Mussulo agarrada aos meus tornozelos, oiço a esferográfica em gemidos,

 

- Mãe, tenho medo do mar,

 

E a esferográfica pendurada no pescoço da minha mãe, eu fechava os olhos e escondia-me entre os cabelos dela, E hoje sou um apaixonado pelo mar,

 

Os figertips em silêncio,

 

E apenas eu e a janela, e mais distante de mim a esferográfica, e ela chama-me tal como a luz que piscava entre os socalcos da noite, a esferográfica pede-me que a abrace e escreva alguma coisa hoje, e hoje mal consigo pegar na esferográfica,

 

- Estás cansado?, e que não respondo-lhe eu, Não estou cansado, mas hoje, hoje não, desculpa-me,

 

Hoje recordo-me quando escrevia na velhinha máquina de escrever, a janela em sorrisos para a noite de Carvalhais, em S. Pedro do Sul, o avô domingos encalhado na cama de casal, a luz aos soluços conforme o tio Serafim ligava e desligava o moinho elétrico, e os grãozinhos de trigos na finíssima brancura da noite, mas hoje, hoje não me peças para escrever, hoje não sou capaz, hoje apetece-me passar através dos vidros embaciados pela minha respiração, e só assim consigo perceber que estou vivo, olho os vidros e sinto o meu vapor de água salgada na saliva das estrelas de Carvalhais, os morcegos aos encontrões à ramada, e um cacho de uvas entrava dentro do meu quarto e sentava-se junto à velhinha máquina de escrever,

 

- Estás cansado?, e que não respondo-lhe eu, Não estou cansado, mas não te quero pegar hoje, e se hoje escrevesse alguma coisa, eu escrevia,

 

Quando os cacilheiros se escondiam no fumo dos meus cigarros, eu inanimado junto ao rio Tejo, e de Belém vinha até mim o cheiro da madrugada, às vezes apontava na sombra o número de vezes que o comboio se deslocava para Cascais, e quando acordava já ele estacionado em Cais de Sodré, o cheiro do rio dentro de mim, deitava-me para tás e olhava as estrelas, e no teto da camarata formigas e baratas, e no corredor ratazanas em discussões, só lhes ouvia os gritos, mas imaginava que umas agarrassem no cabelo das outras, tal como as mulheres quando entram em brigas, e fechava os olhos, e sobre mim o pesadíssimo nevoeiro da madrugada, e sobre mim a voz dos carros que circulavam sobre a ponte 25 de Abril, e os sonhos não conseguiam subir a calçada da Ajuda,

 

- Então porque não pegas em mim e escreves,

 

Porque me cansei de ti, porque tenho saudades da velhinha máquina de escrever, e porque hoje, hoje minha querida esferográfica, hoje mal te posso pegar…

 

Hoje não crescem palavras nas minhas mãos, hoje vou deixar-te poisada sobre a secretária…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:13

Trago na algibeira

Um pedacinho de saudade

Quando me sento junto à ribeira

E grito para as árvores – Liberdade,

 

Liberdade porque sei voar

E dançar pendurado nas estrelas junto ao mar,

Liberdade porque caminho apressadamente sem caminhar,

E me liberto de todas as rosas felizes,

 

Alegres e contentes,

Meu deus!, esta luz cintilante,

Este vento amansado

Que o meu corpo sente,

 

Que no meu corpo cansado

A manhã se despede ausente,

 

Liberdade felizmente,

 

Trago na algibeira

Um pedacinho de saudade

Quando me sento junto à ribeira

E grito para as árvores – Liberdade,

 

Sou livre e semeio palavras no rio,

Sou livre como um pássaro apaixonado…

Sou um terreno baldio,

(toca o telemóvel)… E o poema encalhado,

 

(e agora, Francisco Luís)?

 

Trago na algibeira

Um pedacinho de saudade

Que se alicerça à pétala engraçada,

O trigo que saltita na eira

O velhinho que desce a encosta sem vaidade…

 

E a liberdade,

 

A liberdade ao meu peito abraçada!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:54

No cabelo a florzinha da tarde

E nos lábios penduras um beijo,

Dos olhos dilatam-se sorrisos

Sorrisos que se transformam em desejo,

 

Sorrisos que correm para o mar

E desejos suspensos no amanhecer,

No cabelo a florzinha do teu amar

Quando o teu beijo se abraça ao entardecer,

 

Cerra a tarde os cortinados

E na tua mão voa uma gaivota,

Acariciam-se os corpos amados

Quando da noite acorda a revolta,

 

No cabelo a florzinha da tarde

E nos lábios penduras um beijo,

 

Do cabelo o silêncio do luar

Quando a noite se funde na madrugada,

No cabelo a florzinha pendurada

E na tarde adormece o teu beijar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:55
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Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer,

Sentava-se sobre o capim da tarde

E esperava pelo anoitecer,

 

O embondeiro em sorrisos lunares

E o cabelo saltitando no vento,

A humidade da manhã quando abria a janela,

E os mares da infância em sofrimento,

 

E tão bela,

Ela,

Abraçada a um embondeiro,

Nos lábios de uma rosa amarela

 

E na mão o cintilante cheiro,

Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer,

E no sorrio os olhos do jardineiro

 

Agachados no sol escaldante de janeiro…

Tinha a vida abraçada a um embondeiro,

E no cabelo finíssimos fios de amanhecer

Que brincavam nas tardes de fevereiro.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:21

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