Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

13
Set 11

Sentava-se sobre a geada da noite, e na sombra dos cigarros desenhava sorrisos junto ao peito, as mão encolhidas no bolso do sobretudo, e o meu pai adormecia num banco de jardim a sonhar com melros que na sua infância costumavam poisar no quintal,

 

Um pedacinho de sincelo regressava do rio e embrulhava-se nos seus setenta e três anos, cansado, velho, inconformado por ter deixado Angola, o melro olhava-o e ele em calções corria nos socalcos das tardes de outono, e quis o destino que ele nascesse num dia de vindima,

 

Sentava-se sobre a geada da noite, mergulhava os olhos no silêncio do jardim, cruzava os braços e resmungava com a sombra de um plátano Que porcaria de via a minha!, o sobretudo crescia nos dias que corriam para o rio, e ele balançava no seu interior, mergulhava na água e quando acordava estava deitado na praia em Luanda,

 

- Cresci rico, e agora, agora  mendigo aqui e acolá,

 

Não pai, digo-lhe eu, a riqueza não está no dinheiro, a riqueza está dentro da nossa cabeça, e a maior riqueza é a inteligência e a cultura, ele olha-me e em abanos de braços diz-me que,

 

- Ninguém come inteligência e cultura,

 

Toca o telefone, atendo e a minha irmã em desesperos, António, o pai sentiu-se mal, Mal? Sim, António, está no hospital e vai ficar internado uns dias, entre mim e ela uma barreira de silêncio, cansaços de inverno, fogueiras na lareira de Carvalhais, e eu ainda ontem falei com ele Ainda ontem falei com ele,

 

- Em principio o doutor diz que precisa de descansar um pouco e receitou-lhe pastilhas para a saudade,

 

Saudade?, Sim, António, o problema do nosso pai é a saudade,

 

- Cresci rico, e agora, agora  mendigo aqui e acolá,

 

Fazia Luanda Caxito, Caxito Luanda, a tua mãe grávida de ti, De mim, pai?, sim, de ti, meu filho, e os mosquitos entravam em nós, e tu, tu de vez em quando com enjoos dentro da barriga da tua mãe, chovia, o camião atolava-se até aos joelhos, os dentes agarrados ao capim e os embondeiros de braços abertos para os gritos de revolta dos mabecos, e tu começavas a chorar,

 

Saudade?, Sim, António, o problema do nosso pai é a saudade,

 

Sentava-se sobre a geada da noite, e na sombra dos cigarros desenhava sorrisos junto ao peito, as mão encolhidas no bolso do sobretudo, os olhos saiam-lhe das órbitas e penduravam-se nos candeeiros engasgados na noite, e morcegos agarravam-se-lhe ao pescoço,

 

- Fingia que adormecia,

 

Sentado ao volante do camião, a lua descia e escondia-se na lama, chovia, chovia muito, e eu dentro da barriga da minha mãe a recordar o Mussulo e o mar, gaivotas abraçadas aso lábios das ondas, e o meu pai,

 

Fingia que adormecia…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:35

O lençol da manhã

Poisa suavemente nas acácias,

Uma menina tropeça na sombra de um guindaste,

E um petroleiro apressado

Faz-se ao mar,

Arregaça as mangas e evapora-se entre os ulmeiros,

A menina sorri para a janela das nuvens

E um relógio de pulso adormece nos olhos da menina,

 

O lençol da manhã

Que se esconde na algibeira do pequeno-almoço,

E um papagaio de papel nos céus de Luanda,

O cacimbo, o Mussulo, os musseques,

Desaparecem da finíssima folha da madrugada,

E Luanda deixa de existir,

É engolida pela saudade de uma criança

Que dorme no quintal

Abraçado ao triciclo da infância,

Um paquete chama-o,

E o menino finge que sorri,

E o menino esconde-se nos soluços do mar,

 

O lençol da manhã

Poisa suavemente nas acácias,

E o menino homem

Sorri quando vê pendurada nas nuvens

 

As mãos de finíssimos cabelos loiros,

Um corpo de mulher em gemidos sobre o chão de inverno,

Cai a neve na eira…

E o menino homem e a mulher, misturam-se na saliva da noite…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:27

A tempestade que cessa,

A saudade que acorda na manhã submersa,

A tempestade que brota

Como um rio em delírio,

Com sede e com frio,

E nunca se cansa de caminhar,

O rio,

Que abraça o mar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:16

Setembro 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO