Encostou-se às mimosas estacionadas junto às rochas e desceu vagarosamente o fecho-éclair das nuvens, começou a chamar por ele, Sai, Sai, Vem cá, Vem, mas o Sol não aparecia e com dois dedinhos afastou as espessas nuvens, procurou, procurou, procurou mas o Sol tinha desparecido,
Os dedinhos entre as estrelas e milhões de sorrisos espreitavam pela janela do tempo, as mimosas sacudiam silêncios e de vez em quando choviam pequeníssimas bolinhas de sabão, ele sorria, e não se cansando de procurar pensou que talvez fosse melhor colocar um anúncio no jornal, perdidos e achados, Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, e um desempregado ao ler o jornal depara-se com uma morada e um telefone e deslocou-se a casa da hipotética pessoa ou pessoas que procuravam desenfreadamente o Sol,
- Boa recompensa? Era mesmo isso que eu precisava e pelo Sol sou capaz de amealhar algumas notas de euro, algumas não, muitas,
Muitas vezes procuramos e não encontramos, colocamos anúncios em jornais, escrevemos na ardósia da tarde centenas de vezes Desenfreadamente o Sol, boa recompensa…
Bato à porta, aparentemente ninguém em casa, bato novamente e oiço uma voz sibilante mais parecendo um trovão nos fins de tarde de maio Quem É,
- Venho por causa do anúncio sobre o Sol,
Sol, qual Sol? Respondem-lhe de dentro da casa seminua da rua 3 de dezembro e número quarenta, e a voz sibilante a explicar que não colocou anúncio nenhum nem tão pouco sabe alguma coisa sobre o Sol Não coloquei nenhum anúncio nem tão pouco sei o que quer que seja sobre o Sol!,
- Mas aqui no jornal diz Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, contactar a rua 3 de dezembro número quarenta, e até tem o telefone,
Só pode ser engano,
- Engano? Andam a gozar com os desempregados, é o que é,
Encostou-se às mimosas estacionadas junto às rochas e desceu vagarosamente o fecho-éclair das nuvens, começou a chamar por ele, Engano? Deito-lhe a porta abaixo e o senhor já vai ver o engano, Duvida?,
As nuvens desenhavam no céu um semicírculo de fios de seda e ele com dois dedinhos ia afastando os finíssimos fios de luz, alguns deles enrolavam-se-lhe nos dedinhos pintados pelo fumo dos cigarros que engolia enquanto não chegava o comboio da madrugada, dos lábios o sabor a alecrim pendurado nas estrelas em milhões de sorrisos, e a madrugada ao mesmo tempo que se afastava da porta de entrada da noite sussurrava Estes desempregados são malucos… desesperados, Que Sol, procurar o Sol à noite?,
- Engano? Andam a gozar com os desempregados, é o que é,
A noite estica os olhinhos no sentido do relógio que a acompanhava no estreito pulso do cansaço, e não percebendo à primeira que horas eram, porque o mostrador estava embaciado pelo nevoeiro, olhou novamente Três da madrugada dizia a noite para as nuvens,
E ainda temos tempo, vamos deixar que o Sol durma mais algumas horas,
- Mas aqui no jornal diz Procura-se o Sol, ofereço boa recompensa, contactar a rua 3 de dezembro número quarenta, e até tem o telefone,
Pelo menos mais duas respondem as nuvens para a noite, e enquanto a lua cerrava o fecho-éclair das nuvens as mimosas começaram a abrir os bracinhos, umas esfregavam os olhinhos, e outras, outas brincavam com as pequeníssimas bolinhas de sabão…
(texto de ficção)