Em criança perguntava de onde vinham os bebés,
Mãe, de onde vêm os bebés?, e a minha mãe respondia-me que os bebés vinham de Paris de França e que eram as cegonhas que os traziam,
De França, meu filho, os bebés vêm de França e são as cegonhas que os trazem,
Encolhia os ombros e voltava ao quintal, corria até ao portão de entrada, desprendia o cordel que suspendia o meu papagaio de papel e continuava a sonhar que um dia chegava à lua,
E muitos dias depois nunca lá cheguei, e o mais longe que consegui ir foi de Luanda a São Salvador assistir ao batizado dos meus primos gémeos, e a meio caminho o avião começou a soluçar e com vómitos e às curvas, e eu quando olhava pela janela via as casas e os carros e as pessoas em pequeníssimas dimensões, formigas pintadas de azul junto ao mar de luanda,
Olhava os meus primos gémeos e tentava compreender como era possível as cegonhas terem trazido aqueles dois seres arrepiantes e sempre de lágrimas nos olhos e de boca aberta,
Menino olha o primo Quim!
Menino olha o primo Paulo!
E o primo Fernando entretido na sua deficiência mental e que anos mais tarde descobri que tinha mais juízo do que eu,
E quando o avião se fez à pista de São Salvador juro que acreditei que ia embater no morro, estremeci, encolhi-me na cadeira e preso com cordéis a que chamavam de sinto de segurança aterro na cama onde os meus primos dormiam,
E as cegonhas não trazem os bebés,
E em cada final de ano regressa o natal, e em cada final de ano a minha ansiedade pela visita do pai natal, perguntava à minha mãe quem trazia os presentes,
Mãe, quem traz os presentes?
E ela respondia-me que era o pai natal,
O pai natal, meu filho!
E eu via nas revistas e na televisão um senhor gordo, e perguntava-me como era possível com tanta obesidade descer pela chaminé,
E acordava de manhã, muito cedo, e os presentes poisados em cima da mesa, e eu cismava que um dia ia descobrir com ele conseguia,
E descobri,
Quando fui passar o natal a Carvalhais que o pai natal é uma treta e que tinha deixado presentes em Carvalhais e em Alijó passou ao lado da casa número 15 do bairro do hospital,
Mãe, o pai natal não existe!
E chamei-lhe todos os nomes que sabia,
Depois veio a catequese e a minha catequista dizia-me que deus via tudo e estava em todo o lado,
Deus vê tudo e está em todo o lado!
E eu olhava para todo o lado e não via deus,
E perguntava-me,
Se ele está em todo o lado porque não o consigo ver?
E aprendi que nem todos o conseguem ver,
E deixei de acreditar nas cegonhas e deixei de acreditar no pai natal e deixei de acreditar em deus…
(texto de ficção)