Parvalhão mas eu amo-te muito,
Parvalhão, parvalhão, és um parvalhão, E que sou dizia-me ele quando nos sentávamo-nos à mesa do café, conversávamos sobre os altos e baixos da vida e que mais depressa se cai do que se sobe,
Parvalhão,
E concordo contigo porque a vida é como uma árvore, e que demora uma eternidade a fazer-se mulher, e vem um parvalhão de motosserra na mão e corta-a, e a mulher tomba sobre as nuvens do mar,
E vem o vento e tomba a árvore, e a mulher antes de cair que balança nas arcadas do abismo e os cabelos elevam-se, e escondem-se junto às amoreiras do quintal do tio Joaquim,
És tão parvo amor,
E que sou,
E que sobe, sobe, a manhã nos teus lábios de amêndoa e a tarde à porta de entrada dos teus seios para se deitar, a sesta mergulha nas asas de uma criança sonâmbula, e do cansaço das roseiras o vermelho dos teus olhos entalados no arco iris,
O pôr-do-sol acorda,
E que sou, sentávamo-nos à mesa do café, conversávamos sobre os altos e baixos da vida e que mais depressa se cai do que se sobe, descia as estrelas com a ajuda de uma faca e de um garfo, ambos mergulhados na saliva da loja de penhores, e as estrelas aos pouco poisadas no prato em fina porcelana virgem e importada de Sacavém, e que se cai tão depressa,
Parvalhão,
Porque as estrelas são assim mesmo, sobem e descem, e quando se escondem no ascensor que dá acesso ao paraíso nunca mais deus lhes põe a vista em cima, E que sou dizia-me ele, e as estrelas penduradas na cabeça do parvalhão, a cadeira pedia licença para se sentar, e da chávena e do pires e da colher e do açúcar e do café…, nada, apenas a despedida do mar quando ela cerrava os cortinados da noite, despia-se e mergulhava na água gélida até adormecer,
E vem um parvalhão de motosserra na mão e corta-a, e a mulher tomba nos finíssimos lençóis de seda, e a mulher tomba sobre as nuvens do mar, a luz extingue-se e deus aflito caminha no corredor do céu à procura das estrelas,
És tão parvo amor,
E que sou,
Sentado à mesa do café…
(texto de ficção)