Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

28
Set 11

Ontem quando acordei estava dentro de um oleado, abro os olhos e uma finíssima pelicula de nevoeiro poisava nos meus olhos, desenlaço as mãos, e percebo que estava dentro de uma câmara frigorífica,

Ontem morri,

- Causa da morte Saudade escrevia o médico legista no papel suspenso da mão encardida pelas geadas do inverno agreste de Trás-os-Montes e segredava à colega que nunca tinha observado um cadáver em tão mau estado Nunca observei um cadáver em tão mau estado Triste Muito Triste,

Ontem morri antes de acordar a manhã e no preciso momento que me evaporo sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar,

- Nunca observei um cadáver em tão mau estado, Triste, barba do tamanho de ramos de amoreira, cabelo solto devido ao vento que bate na janela virada para a garagem onde dormem os carros funerários, e que se passeavam sobre o mar,

Os malmequeres de mão dada aos silêncios em desejo, gotinhas de água saltitavam no corpo dela, e a colega do médico legista tapava as narinas devido ao cheiro nauseabundo do meu corpo, e ontem morri antes de acordar, e sonhava,

- Hora provável da morte cerca das sete horas e trinta minutos, sexo masculino, um metro e setenta e cinco centímetros e aproximadamente sessenta e sete quilogramas de peso, olhos castanhos, e sem cabelo,

A serra elétrica que entra no meu crânio e um ovo de perdiz a dissolver-se dentro de mim, a serra elétrica a romper-me e aos poucos o médico legista a retirar o pedacinho circular, os miolos aflitos no néon da morgue, e no meu peito a colega do médico legista com uma tesoura de poda a vindimar-me os fios escuros das costelas, e o alcatrão dos meus cigarros embatem no teto,

E caiem sobre a esponja amarelada da minha gordura,

- Olhos castanhos, causa provável da morte Saudade ou Solidão, Desculpe colega não percebi a médica legista que mergulhava as mãos nas minhas vísceras,

E caiem sobre a esponja amarelada malmequeres que passeavam sobre o mar,

- Ou morreu de saudade ou de solidão mas inclino-me mais para a Solidão, e a solidão dói e mata dizia a médica legista para o médico legista,

Porra… murmuravam os meus lábios quando se aproximava o serrote de carpinteiro,

Ontem morri, e por voltas das sete horas e trinta minutos senti a velhinha vestida no negro da noite passear-se no corredor de minha casa, levantei um pouco a cabeça e voltei a poisa-la sobre a almofada embebida na saudade das manhãs quando olhava o mar, e o cangalheiro bateu à porta Dá licença doutor? E o doutor de serra elétrica na mão que sim e pode entrar, e o cangalheiro se faltava muito para terminar Falta muito doutor? E que não, é só fazer as bainhas e coser os cromados,

- E vestir e desfazer a barba e pentear os poucos cabelos que sobraram da serra elétrica respondo-lhe eu,

E enquanto cosiam as mantinhas do meu corpo eu pensava e sentia o frio da pedra mármore nas minhas costas e pensava na gripe quando estivesse debaixo da terra junto à raiz de uma oliveira,

- E sonhava quando morri, Muito Triste,

Ontem morri antes de acordar a manhã e no preciso momento que me evaporo sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar,

E morri que sonhava,

E sonhei que morri,

E ontem nem sonhei nem morri,

Adormeci docemente dentro de um caixão decorado com solidão e saudade, e sonhava quando morri Olhos castanhos, causa provável da morte Saudade ou Solidão, sonhava com malmequeres que passeavam sobre o mar… Muito Triste.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:10

O homem do chapéu de palha

Deitado sobre o sorriso da lua,

Desce uma estrela e poisa nas arcadas do vento,

Uma flor tropeça e mergulha

Nas águas silenciosas da noite,

O homem do chapéu de palha

Flutua,

E nos lábios da maré

Extinguem-se as gaivotas em sofrimento…

E evaporam-se nas águas silenciosas da noite,

O homem deixa de ser homem,

E a lua começa a chorar…

 

E a lua cerra os olhos

Dentro do mar,

O homem do chapéu de palha abre as janelas da noite,

E finíssimos fios de luz adormecem no soalho do pôr-do-sol,

 

Morre o homem,

E o chapéu de palha esconde-se no vento…

Duzentos e seis ossos

E meio quilograma de sulfuroso,

 

O homem do chapéu de palha

Deitado sobre o sorriso da lua,

 

Morre o homem,

Morre a lua,

E pinta-se o pôr-do-sol de vermelho

Quando se abraça às rosas do jardim,

 

E sonha a noite!

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:57

A noite desce

E eu abraço-me a nada,

Espero a chegada

De uma nuvem amarrotada

Ou de um sorriso encardido…

A noite desce

E eu abraço-me a nada,

E fico esquecido,

Na noite que desce

E adormece,

E eu abraço-me a nada,

A noite desce,

E na lâmpada apagada

A solidão aparece,

A solidão na minha cama deitada…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:13

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