Aqui pelo Douro os socalcos começam a descer até ao rio,
O cigarro debruçado no peitoril da janela e ao longe o latir de um canino, os risquinhos dos taludes sobressaem das margens e as palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio,
Das silabas de uva acorda a saliva do amanhecer e a manhã em pedacinhos de árvore que balança contra os desejos do sol,
O rio segura com mãos trémulas os socalcos envenenados por fios de luz, o parvo do meu irmão cisma que se subir até à copa de uma oliveira consegue acariciar as estrelas e a minha mãe acredita que a noite é uma mentira e que não existe, o parvo do meu irmão a sorrir,
- Vês consigo tocar as estrelas,
O parvo do meu irmão sentado na despensa do céu à espera que a minha mãe o chame para almoçar,
- Mãe o que é o almoço?
A minha mãe responde-lhe que não sabe,
O parvo do meu irmão sorri dentro da despensa do céu, eu ergo a cabeça e mal consigo ver o parvo do meu irmão, começou a diminuir e parece uma abelha à procura das nuvens,
Uma abelha que saboreia a doçura dos baguinhos de uva quase a adormecerem junto ao rio e a minha mãe que o almoço é caldo de cebola, broa de centeio e sardinha assada,
- Agora lembro-me o que é o almoço Caldo de cebola, broa de centeio e sardinha assada,
E o parvo do meu irmão começa a descer da oliveira vagarosamente e aos poucos ergue-se do corpo de abelha ainda com os lábios embebidos no açúcar,
E fica crescido e homem,
- Francisco vem almoçar, aqui pelo Douro os socalcos começam a descer até ao rio, a minha mãe responde-lhe que não sabe,
E eu pergunto-me porquê Porquê mãe,
- Francisco vem almoçar,
E quando ela me trata por Francisco sei que tenho o caldo entornado,
Sempre assim,
Desde que nasci,
Francisco para as ocasiões muito especiais,
Francisco quando me porto mal, e vejo o meu triciclo no quintal de Luanda às voltas da perna da mangueira,
- Olá menino,
O parvalhão do meu irmão que brinca na sombra do avô Domingos e sobre o portão de entrada os socalcos começam a descer até ao rio, o caracol da CP despede-se do fim de tarde e ao longe o latir de um canino, os risquinhos dos taludes sobressaem das margens e as palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio, e o rio segura com mãos trémulas os socalcos envenenados por fios de luz,
- Olá menino,
Sempre assim,
Desde que nasci,
As palavras disfarçadas de videira a correrem e a brincarem entre as linhas metódicas do silêncio…
(texto de ficção)