Todas as coisas visíveis e invisíveis, a noite e o dia, o céu e a terra, todas as coisas visíveis e invisíveis me pertencem,
Todas,
O meu pai entretinha-se com os jornais atrasados que trazia da cervejaria e na esplanada uma ténue sombra sobre as cadeiras poisadas no silêncio das acácias, a empregada invisível perguntava Deseja alguma coisa?,
E eu com os braços cruzados e respondia-lhe que não sabia… Não sei!,
Todas,
O céu e a terra, os pássaros e todas as borboletas, me pertencem,
E eu sentado na companhia de três amigos invisíveis e o sol puxava-nos com o guindaste do fim de tarde, e junto ao tejo um marroquino vendia cachimbos de água, tapetes voadores e sandálias,
E nós subíamos lentamente até aos pulmões do céu,
Deseja alguma coisa?
Não sei, todas as coisas visíveis e invisíveis, a noite e o dia, o céu e a terra, todas as coisas visíveis e invisíveis me pertencem, e o meu pai acabava de descobrir no jornal que Angola já não era nossa, e a empregada invisível,
Nunca foi nossa,
E o meu pai teimava que sim e que na escola lhe tinham ensinado que Angola era nossa, minha, não sei,
Deseja alguma coisa?
E enquanto subíamos, as árvores encolhiam-se e pareciam formiguinhas abraçadas a torrões de açúcar, um dos meus amigos invisíveis enrola-se num pedacinho de nuvem e fiozinhos de luz começam a cair sobre o rio,
O jornal atrasado na mão,
Deseja alguma coisa?
Não, não desejo,
E dizia-me repetidas vezes que Angola era nossa,
Angola é nossa,
E que nunca o foi,
Respondia-lhe a empregada invisível dentro de um avental revestido a malmequeres e crisântemos,
E os malmequeres e os crisântemos deitavam-se sobre a mesa invisível, e à volta da mesa invisível quatro cadeiras invisíveis que conversavam com quatro parvos invisíveis que subiam lentamente até aos pulmões do céu,
E todos eles,
Acreditavam que Angola era nossa,
Angola é nossa,
E que nunca o foi…
(texto de ficção)