Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

05
Out 11

Disseram-me que as flores são parvas porque não sabem amar,

Tem o corpo construído em papel com desenhos de malmequer, e balança quando o vento escorre na garganta da manhã e dos sorrisos do sol as horas prisioneiras a um cordel suspenso na lua,

- Estás bem Manel? Está-se bem responde-me embriagado nos cigarros de enrolar,

E finca a mortalha no lábio enquanto nos dedos pedacinhos de coisas estranhas se misturam nas pequeníssimas folhas de tabaco,

Sorri e quando abre a boca consigo ver-lhe a seara de dentes meio direita meio inclinada, e o boné tapa-lhe os olhos adormecidos no orgasmo da solidão,

- Os ciganitos são meus amigos e à noite sento-me sobre um seixo e adormeço na fogueira que aos poucos se extingue junto à valeta e na estrada carros amarrados ao néon da noite saltitam sobre as amoreiras encostadas às janelas do silêncio, e enquanto cambaleia e bate com a cabeça nas labaredas da dor percebo que a vida não lhe foi fácil e que as flores são parvas porque não sabem amar,

Disseram-me que as flores são parvas porque não sabem amar e os homens e as mulheres, os que sabem amar, alguns são muito parvos ou mais parvos do que as flores que não sabem amar, e tal como as flores e tal como o Manel e tal como os ciganitos, tombam quando o vento escorre na garganta da manhã e dos sorrisos do sol as horas prisioneiras a um cordel suspenso na lua,

- Oriente-me aí uma notinha para cigarros e uma pedra,

A mortalha suspensa no lábio,

- Para cigarros e uma pedra, e lamenta-se que sem pedra não trabalha,

E tomba quando o vento escorre na garganta da manhã, e as flores são parvas porque não sabem amar, porque se as flores amassem talvez nos jardins brincassem sorrisos talvez nos jardins se acariciassem malmequeres agachados na relva debaixo dos plátanos,

- E apaixonei-me quando o meu esqueleto ainda acordava todas as manhãs e no tempo em que as flores sabiam amar e não eram parvas,

As flores são parvas porque não sabem amar,

Hoje,

- Encosto-me às sombras da noite e espero que as cervejas me adormeçam e que amanhã não acorde e que amanhã eu seja uma árvore deitada no sobrado do mar, encosto-me às sombras da noite e sinto as flores parvas porque não sabem amar nas lágrimas dos ciganitos,

A vida mentiu-lhe e no calendário encalhado na parede da cozinha a mesma mulher, nua e deitada sobre uma moto, a mesma mulher que o acompanhou todas as noites antes de adormecer,

- Junto aos ciganitos os carros encalhados nos lençóis,

E olhava o teto e contava nuvens de espuma embrulhadas em algodão doce e lábios de mel,

A vida mentiu-lhe,

- A vida mentiu-me quando antes de adormecer os meus olhos contra a parede da cozinha onde a mulher nua me olhava, e hoje,

Encosto-me às sombras da noite e espero que as cervejas me adormeçam e que amanhã não acorde e que amanhã eu seja uma árvore deitada no sobrado do mar,

A mulher corcunda sobre a moto enferrujada,

- À espera que as flores amem,

As flores não são parvas porque sabem amar,

- Para cigarros e uma pedra, e lamenta-se que sem pedra não trabalha, as flores são parvas porque não sabem amar os pássaros são parvos porque não sabem voar a noite é parva porque não sabe sonhar,

E flores que amam são silêncios de vento.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:43

O meu corpo embriagado

Na saliva da tua boca,

O meu corpo embrulhado

Em teus olhos de louca,

 

O meu corpo deitado

Nos teus abraços de amanhecer,

O meu corpo cansado

Entre a noite a crescer

 

E a lua poisada no mar,

O meu corpo refém da tua mão

Quando me vens acariciar

 

Nas arcadas da madrugada,

O meu corpo de solidão

Na tua cama apaixonada…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:46

Qualquer coisa de estranho na minha voz

Quando alicerço os meus olhos nos malmequeres

Que dormem junto ao cais

 

Qualquer coisa esquisita na minha mão

Um cansaço silencioso

Dentro do meu peito

Quando a coisa estranha da minha voz

Sobe ao cume da montanha

E o rio desce ruidosamente

E ninguém o a apanha

E sem jeito

Abraça-se ao mar

 

E nas estrelas um sorriso de gente

Lábios de menina nas gaivotas de amar…

Enrodilham-se os malmequeres que adormecem junto ao cais

Nos versos entalados no luar

A menina esconde-se nos lençóis de relva fresca da manhã

E dos versos acordam as silabas embebidas na maré

 

Baixo os braços

E cerro hermeticamente

Os lábios da noite

E funde-se um protão

Dentro do meu peito

E o meu corpo fica escuridão

Um buraco negro mergulhado nos malmequeres junto ao cais

Os que dormem

E sonham

E amam todos os pássaros do céu.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:15

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