A minha irmã Teresa sentava-se no sofá e esquecia-se que existia, e pela janela vinham as lágrimas das roseiras que choravam no canteiro junto à porta de entrada,
A minha irmã Teresa ancorada à almofada que a minha avó Margarida levou noites de insónia e horas de inferno agarrada à agulha do croché e a um finíssimos fio de lã enrolado nos dedos,
Batiam à porta e ela cerrava os olhos e com meia dúzia de palavras suspensas nos lábios,
- Se vens pedir-me desculpa é melhor dares meia volta e descres a calçada, e continuava com o mesmo discurso de sempre que não admitia traições e que era mulher de amar um só homem, e era sempre assim que batiam à porta,
Truz truz truz,
- Deixa-me em paz e vai-te embora,
E do lado de fora junto às roseiras que choravam o senhor Alberto e carteiro de profissão admirado com as palavras que lhe chegavam de dentro da casa seminua e caquética virada para o rio,
- Se vens pedir-me desculpa é melhor regressares e desceres a calçada e mergulhares no rio, cansei-me das tuas mentiras esfarrapadas como silêncios de árvore quando a geada lhes poisa no inverno, cansei-me do sofá que coxeia durante a noite, cansei-me das roseiras que choram e não me deixam adormecer, e cansei-me de quando bates à porta no meio da noite,
A minha irmã Teresa uma parvalhona e menina mimada,
- Sou eu menina Teresa o Alberto,
E ela numa busca rápida a todos os momentos passados nos quartos de pensão nenhum Alberto, lembrava-se do Rui e do João e do Pedro,
- Alberto qual Alberto?
Tinha saudades do Manuel e trazia junto ao seio esquerdo uma tatuagem do Carlos mas Alberto… nenhum Alberto na sua vida,
- Alberto qual Alberto?
Ela cansada do sofá e cansada da vida e cansada da almofada da avó Margarida, ela cansada do sofá que todos os dias encolhia e adormecia debaixo da mesinha onde brincava um crocodilo,
- O carteiro menina Teresa,
E o crocodilo lançava bolinhas de sabão contra as sombras do rodapé,
- Ai… desculpe,
E o crocodilo com os dentes de marfim saltitando entre as bolinhas de sabão e a minha irmã Teresa sentava-se no sofá e esquecia-se que existia, e pela janela vinham as lágrimas das roseiras que choravam no canteiro junto à porta de entrada,
- Não faz mal respondia com voz amorfa o carteiro,
Ai… desculpe mas cansei-me do sofá coxo e das fendas da parede da sala que me olham como se fossem o espelho do meu guarda-fato e quando passo por ele cerro os olhos, e quando passo por ele sinto que me acaricia nas lágrimas das roseiras que choram no canteiro junto à porta de entrada,
- A minha irmã é uma parvalhona desabafava o crocodilo antes de baixar as persianas da noite e deitar a cabecinha sobre uma almofada de penas de avestruz,
- Não faz mal menina Teresa, não faz mal,
E cansei-me da vida e cansei-me do sofá coxo e cansei-me do crocodilo e cansei-me,
- Cansei-me de mim,
E cansei-me das palavras que saem das minhas mãos,
A minha irmã Teresa levanta-se e ouve-se um estalinho que saltava da garganta do sofá e abre a porta e o Alberto diz-lhe,
- Tenho carta para si menina Teresa,
Ela agacha-se e com um lenço de seda limpa as lágrimas do rosto das roseiras que viviam no canteiro junto à porta de entrada,
E cansei-me das palavras que saem das minhas mãos,
- Cansada das tuas mentiras esfarrapadas,
Cansei-me de mim e do crocodilo com dentes de marfim.
(texto de ficção)