Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro,
- Aponta aí patrão E o Domingos com três cucas na algibeira, uma para agora e outra para o caminho e a outra para adormecer,
E o velho Nogueira escondido nos óculos embaciados pelo cacimbo a escrever no caderninho,
- Domingos cinco cucas e duas pilhas para a lanterna,
E o Domingos chegava à sanzala sem as cucas e sem as pilhas, e o meu avó Domingos furioso porque achava que todos os pretos se chamavam Domingos,
- Patrão empresta vinte paus Claro amigo e sem juros a voz do velho Nogueira,
O Domingos abraçava-se à palhota e tombava junto ao capim,
- Jeremias cinquenta paus,
E lamentava-se o velho Nogueira que era para os juros e que se não fosse assim,
- Só assim é que estes gajos aprendem,
Como se os pretos não tivessem o mesmo direito que eu tive de me chamar Francisco ou Luís,
O meu avó furioso porque todos os pretos,
- Domingos,
Prendia-me às sombras do Mussulo agarrado aos pescoço da minha mãe porque pensava que o mar me queria comer e pensava que o mar comia os meninos brancos, e fechava os olhos e cessavam em mim as lágrimas,
- Não gosto O menino não gosta,
E achava que as bananas tinham bicho,
O amigo do meu pai vendia azeite de Trás-os-Montes, quatro litros e meio de óleo e meio litro de azeite, O amigo do meu pai vendia vinho de Portugal, e mais água do que vinho,
E o Domingos quando acordava não se recordava onde tinha deixado as pilhas para a lanterna, o meu avó furioso,
- Não gosto O menino não gosta,
E sentia o mar a entrar dentro da minha mãe e a enrolar-se nos meus braços, e o meu cabelo brincava no odor das ondas, eu olhava o céu e as estrelas uma a uma poisavam na minha mão,
Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro,
- Gosto deles,
E a chuvinha caía silenciosamente sobre as mangueiras,
- O menino dá O menino dá,
O meu avó furioso,
E eu esquecia-me junto ao portão de entrada que todos os pretos se chamavam Domingos e quando passava por mim o Domingos ou o Jeremias eu dizia-lhes,
- Gosto de ti Gosto de ti,
Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e ensinaram-me que o mar não comia meninos brancos, e ensinaram-me que as bananas não tinham bicho, e ensinaram-me que quem viveu em Angola nunca mais se esquece,
E eu nunca mais me esqueci,
- O cheiro da terra e da chuva e do mar,
E o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro…
(texto de ficção)
Sinto a tua falta
Manhã submersa nos espirros da noite,
E entras em mim com silêncios de luz…
E sais de mim através do espelho do sonho,
Abraças-me e acorrentas-te
Aos meus lábios enfeitados de nuvem
E sinto tanto a tua falta,
E espero pelo acordar de um novo dia,
E espero e espero e espero que novamente
Seja manhã
Submersa nos espirros da noite,
E que te abraço
E que te abraças aos meus lábios
Enfeitados de nuvem,
E todos os dias a minha ansiedade pelo teu acordar
Abraças-me
E escondes-te na noite,
Nos espirros da noite…
Sinto a tua falta
Manhã submersa nos espirros da noite,
E quando não me abraças,
E quando não te acorrentas aos meus braços…
Olho-te pela janela e corres apressadamente para o mar,
E saltitas dentro dos desejos da noite,
Olho-te quando te extingues na claridade da lua…
Cruzo os braços,
E penso na falta que me fazes,
Manhã submersa nos espirros da noite…
Sinto tanto a tua falta!