Sonhos,
A minha vida construída em sonhos que se desfazem em sonhos e adormecem sobre o soalho da noite como o murrão do cigarro,
Sonhos,
Sonhos que nunca consegui realizar e que nunca se vão realizar, ilusões fictícias nas mãos de um mágico, pedacinhos de papel retalhado pelo silêncio da noite,
A minha vida um sonho que a realizar-se,
- Milagre,
E cresci a acreditar que os milagres não existem e que alguns dos meus sonhos são impossíveis,
- Sempre proibido de,
Realizar os meus sonhos,
Sonhos,
Sonhos abraçados a sonhos que adormecem nas mãos de sonhos,
Cansados,
Na noite mergulhada em sonhos,
De sonhos,
Impossíveis de realizar,
Sonhos de sonhos acorrentados a sonhos,
Nos sonhos de nada.
O infeliz quando se imprime
No espelho da noite,
Eu abraçado aos cobertores da insónia
À procura de uma janela,
Saltar
E de baraços escancarados…
Voar
Entre a luz da solidão
E o azul do mar,
Cerrar os olhos eternamente
E adormecer debaixo do xisto da montanha,
O infeliz que sou infelizmente
E se imprime no espelho da noite,
Saltar
E enquanto o meu corpo vacila
E toca na copa das árvores,
E enquanto uma gaivota se alicerça
Às minhas pernas de sono,
As estrelas abraçam-me,
E todas me beijam,
Saltar
E cair no silêncio de um lençol
Poisado sobre as chávenas do pequeno-almoço,
E do relógio esquecido e sem alimento
Que na parede adormece,
A saudade
As estrelas abraçam-me,
E todas me beijam,
Eu,
O infeliz quando se imprime
No espelho da noite,
O infeliz que sou infelizmente…
Durante muitos anos acreditei que ele tinha morrido quando pela manhã deixou de pendurar-se na janela, e todos os dias descerrava o cortinado, e todos os dias a mesma sombra e a ausência, o silêncio de um cadáver recortado de pedacinhos de papel crepe, as nuvens amarrotadas nas sílabas desencontradas das minhas palavras,
Todos os dias, deixei de ouvir a voz melódica e poética das rosas pintadas no muro de vedação do meu quintal, e de dentro de mim começaram a crescer as mentiras que me contavam e contam e que eu finjo que acredito, e não acredito e durante muitos anos acreditei que ele tinha morrido quando pela manhã deixou de pendurar-se na janela do meu olhar,
- Todos os dias descerrava o cortinado e todos os dias chegavam até mim a claridade dos sorrisos emagrecidos na noite escura de Alcântara, o rio cruzava os braços e um cacilheiro ao longe engasgado nas luzes do fingimento E ele deixou de pendurar-se na janela do meu olhar e reaparece entre os candeeiros plantados na margem onde se sentava e fumava cigarros e pedia que uma voz o levasse e que o sol o engolisse nas tardes de Agosto,
De que serve o amor se não lhe podemos tocar?
- E nenhuma voz me levou e nem o sol me engoliu, e as tardes de Agosto misturaram-se nas acácias e das noites de sofrimento apenas os espargos que beijavam as minhas mãos e voavam contra as luzes suspensas no teto do cansaço,
E de que serve?
A janela calafetada abraçada ao amor, e de que serve a noite sem a luz e de que serve a lareira sem a fogueira,
- E até hoje nenhuma voz conseguiu levar-me e nenhuma voz conseguiu levantar o meu corpo fundeado no cais da solidão,
E o sol,
- Nunca me engoliu nas tardes de Agosto, e desespero, e acordo e ele ressuscitou e voltou a pendurar-se na janela do meu olhar,
E o sol,
A voz,
- À minha procura dentro de uma caixa de sapatos quando em criança, numa tarde de inverno, me escondi abraçado à neve, e esqueceram-se de mim,
E a neve evaporou-se e o sol e a voz…
Fingem que não existo,
Durante muitos anos acreditei que ele tinha morrido quando pela manhã deixou de pendurar-se na janela, e todos os dias descerrava o cortinado, e todos os dias a mesma sombra e a ausência, o silêncio de um cadáver recortado de pedacinhos de papel crepe, as nuvens amarrotadas nas sílabas desencontradas das minhas palavras,
- Estou só,
E fumo cigarros e peço que uma voz me leve e que o sol me engula nas tardes de Agosto,
- Amanhã,
O silêncio de um cadáver recortado de pedacinhos de papel crepe pendurado na janela do meu olhar…
(texto de ficção)