Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

20
Out 11

(desenho de Luís Fontinha/MiLove)

 

O Eduardinho ainda não tinha percebido o que acabava de acontecer e já eu lhe ouvia as palavras de queixume,

- E continuei com o meu trabalho, tinha o meu corpo poisado sobre a tela e na mão um pincel, um pano pendurado no ombro esquerdo e o avental de plástico protegia-me das tintas e dos suspiros da noite,

Saboreava o meu cachimbo coisa rara nos últimos tempos e que vou assiduamente continuar a fazer todas as noites e antes de adormecer, e chegavam até mim os sons engasgados do Eduardinho,

- Foda-se maldito telemóvel,

E fiquei sem perceber,

- Na tela começava a acordar uma mulher de cabelo curto e loiro e nos lábios percebi que cresciam gladíolos e no sorriso habitava uma gaivota pincelada de azul e amarelo, estava nua, e sobre as coxas o mar à minha espera, e com o pincel mergulhado no azul-marinho, retoque aqui retoque acolá, lá consegui desviar o mar das coxas da mulher e ela mexeu-se e rodou o corpo para junto das rochas onde se escondiam as algas da noite e os malmequeres da manhã,

O Eduardinho bate à porta do atelier e entra como se fosse um furacão depois de uma borboleta bater as asas na Indonésia,

Olho-o e percebo que a mulher nua da tela se cobria com alguns pedacinhos de nuvem,

- O que foi Eduardinho?

O que foi?

- E no lábio inferior sílabas de sangue, e comecei a pensar que alguma coisa tinha acontecido, o Eduardinho a explicar-me que estava a cortar as unhas dos pés, o pé direito estacionado sobre um banquinho de fórmica e na mesa o telemóvel que quase sempre nunca toca porque ninguém lhe liga,

Ninguém me liga O que quer?

- E eu não quero nada mas há quem queira alguma coisa e não é assim que se tratam Os Munícipes,

Os Munícipes têm de ser tratados com toda a educação independentemente de usarem ou não fato e gravata queixava-se o Eduardinho,

- Aprende a falar Rapaz,

O pé direito estacionado sobre um banquinho de fórmica e na mesa o telemóvel que quase sempre nunca toca porque ninguém lhe liga, mas quis o destino que o telemóvel começasse a tocar e o Eduardinho com a euforia do toque lança repentinamente a mão sobre a mesa e desequilibra-se e tomba de queixos sobre a mesa,

E os dentes fixam-se ao lábio inferior,

- Apetece-me rir mas não tenho coragem,

A voz rouca que sobressai do gaiolo O que quer?

- Eu? Eu não quero e nunca quis nada,

Respondo ao Eduardinho que nada posso fazer, que me deixe em paz porque estou a trabalhar e que se alguma coisa eu possa fazer apenas é dar-lhe umas pinceladas com tintura de iodo no lábio,

Nem penses responde-me ele, isso nunca,

- Então boa viagem e a porta de entrada é a serventia do atelier,

O que quer? A voz saltitante nas paredes do gaiolo,

Nada, eu nada,

Mas há quem queira,

- Coloco novamente os olhos na tela e o Eduardinho abandona o atelier da mesma forma que entrou,

Furioso,

- E a mulher começa a comer os pedacinhos de nuvem e só depois percebi serem de algodão doce, e por mais pinceladas que eu desse na tela faltava alguma coisa, recomecei de novo,

Tinha o mar, tinha gaivotas e tinha a mulher e as nuvens de algodão doce, e tinha as rochas e as algas e os malmequeres e gladíolos,

E o que quer?

- E claro digo eu em voz alta Faltam as estrelas,

E comecei a pintar estrelas na tela até me cansar de ouvir a voz saltitante contra as paredes do gaiolo,

O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer?,

A mulher levanta-se da tela, poisa sobre os ombros pétalas de malmequer, e quando chega até mim abraça-me e beija-me,

E enquanto a beijava e a acariciava ouvia a voz do Eduardinho em Ais e o rapaz do gaiolo,

O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer? O que quer?,

- E eu não quero nada,

Ela pega-me na mão e leva-me para o divã junto à janela do atelier, e começam as brilhar as estrelas na tela.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:39

 

(desenho de Luís Fontinha/MiLove)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:54

Imagino-me viver sem livros

Imagino-me viver sem poesia

Imagino-me viver sem amor

Imagino-me não viver

Vivendo

Imagino-me deitado sobre o mar

Abraçado a uma flor

Imagino-me num mundo de fantasia

Sonhando

Fingindo que sou eu

Imagino-me viver não vivendo

E voar

E voar e voar e voar

Imaginando

As estrelas do céu…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:56
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Caí demasiadas vezes

E levantei-me outras tantas,

Agora e hoje,

Quando cair,

Se cair,

Ficarei no chão até que o vento me leve

E o mar me engula,

Sonhei demasiadas vezes

E desiludi-me outras tantas,

Agora e hoje,

Quando sonhar,

Se sonhar,

Deito os sonhos dentro da sanita

E puxo o autoclismo,

 

Caí demasiadas vezes

E sonhei outras tantas,

 

Agora e hoje,

Quando cair e quando sonhar,

Se cair ou se sonhar…

Cruzarei os braços e cerrarei os olhos…

 

Até que o mar me engula

E o vento me evapore nas sombras das amoreiras,

Até que o mar me afogue

E das nuvens desçam as sombras das mangueiras.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:43

 

(desenho de Luís Fontinha/MiLove)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:22

Pareço um barco naufragado

Suspenso nos sorrisos do mar

Que se acorrenta aos lábios do pôr-do-sol

E não se cansa de chorar,

 

Sou a âncora do amanhecer

Sou o barco fundeado,

Pareço um barco naufragado

Suspenso nos sorrisos do mar,

 

E ninguém me vem salvar…

Pareço um barco naufragado

E muito cansado

Cansado de sonhar…

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:49
tags: , ,

 

(desenho de Luís Fontinha/MiLove)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 11:12

Oiço a voz da solidão

Que vem do jardim sem flores

Oiço o vento na minha mão

Na manhã de horrores,

 

Oiço a voz da solidão

Misturada nos lábios de uma canção

Oiço a revolta do mar

Nos olhos de uma gaivota incapaz de voar,

 

Oiço a voz da solidão

Que dá ao meu corpo a ferrugem do amanhecer

Oiço o sol inquieto e sonolento

Que traz o vento

Aos dias sem viver…

Oiço a voz do meu coração

Nas palavras que tenho medo de escrever,

 

Oiço a voz da solidão

Nos livros que recuso ler

E nas palavras que quero escrever…

Oiço a voz da minha mão

 

Pendurada na manhã a morrer.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 10:19

Se cansam de mim

As palavras da tua voz

As mãos do meu olhar

Na busca de uma rima

 

Se cansam de mim

Os lábios

E a tua boca

E na terra se entranha a minha sombra

 

Se cansam de mim

Os desejos do teu corpo

Nos silêncios da noite

 

Se cansam de mim

Todas as pessoas

As árvores

E as nuvens…

 

Se cansam de mim

Os espelhos quando caminho na rua

E os sorrisos da lua

Poisam sobre o mar.

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:35

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