Estas vozes que oiço
Quando olho o mar,
O que são, Pai?
O que comem os silêncios da noite
Que se abraçam ao pôr-do-sol,
E quando os olho…
Fogem de mim,
Têm vergonha de mim, Pai,
Porquê, Pai?
Têm vergonha de mim
As gaivotas de Luanda
E o rio que se esconde nos socalcos…
Estas vozes que oiço
Quando olho o mar,
O que são, Pai?
Têm vergonha de mim, Pai,
Porquê?
As estrelas quando descem à lareira da noite…
E fogem, pai, e fogem de mim…
Também tens vergonha de mim, Pai?
João espera e desespera a chegada de Sofia, a cama encostada ao fogão na cozinha, os pássaros, os pássaros sob o céu cinzento da quinta, a casa despede-se da manhã,
- “ faço tudo o que elas querem mas nunca tiro o chapéu da cabeça para que se saiba quem é o patrão”,
E Sofia não vem, nunca ao meu lado, desço à garagem e olho o barco que estou a construir e logo que pronto e logo que chegue a Sofia zarpamos pelos terrenos de Palmela em direção à noite,
Ela nunca ao meu lado,
- conto os pássaros da quinta, e hoje não quinta e hoje não pássaros,
E hoje,
Hoje não Sofia,
João espera e desespera,
O pai do João estacionado na clinica,
- “ faço tudo o que elas querem mas nunca tiro o chapéu da cabeça para que se saiba quem é o patrão”,
E percebo que nunca existiu nenhuma Sofia, e percebo que nunca existiram pássaros na quinta de Palmela, e percebo,
- “ faço tudo o que elas querem mas nunca tiro o chapéu da cabeça para que se saiba quem é o patrão”,
Eu sei pai, eu sei,
João espera e desespera a chegada de Sofia, a cama encostada ao fogão na cozinha, os pássaros, os pássaros sob o céu cinzento da quinta, e um livro a que A. Lobo Antunes chamou O Manuel dos Inquisidores…espera e desespera pela chegada de uma Sofia, espera e desespera pela chegada de um João…
Ao cair da noite.
(Inspirado e baseado no livro de A. Lobo Antunes “O Manual dos Inquisidores”)
(desenho de Luís Fontinha/MiLove)
Os sonhos, nuvens que cresceram na minha cabeça, e nunca passaram de nuvens, e nunca deixaram de se a chuva em pedacinhos sobre o silêncio do mar…
A casa deixa de fazer sentido
As janelas cobrem-se de nuvens
E a porta de entrada acorrentada à montanha
Que desce do céu,
O rio entra pela chaminé
E desce e desce e desce…
E poisa e poisa e poisa…
Na penumbra lareira imaginária,
A casa deserta e só
Escondida nos braços da neblina,
A casa, a casa imaginária
Onde vive um menino invisível,
E só e só e só…
A poeira que se alicerça nos livros,
A casa deixa de fazer sentido
Quando acorda a tarde,
A casa,
Começa a voar em círculos na copa das árvores,
E voa e voa e voa…
Em direção ao mar.