Hoje acordei e apetecia-me algo, algo de muito especial, mas nem eu nem ele sabíamos do que se tratava,
E eu sou um banana porque é ele que tudo decide,
- Tu só escreves, e se não fosse eu? Desgraçado… morrias de fome,
E ele tem razão porque ultimamente perdi completamente a vontade de caminhar, porque ultimamente perdi completamente a vontade de lutar,
- Porque tu vives num mundo só teu oiço-o muitas vezes antes de adormecer,
E antes que os meus leitores julguem ou pensem que se trata de um amante, não, é que dentro do meu corpo vivem dois homens,
- Não percebi?,
Tu gostas de matemática, física, e tudo que diga respeito às ciências,
- Pois talvez tenhas razão mas isso não me tem servido de nada,
E eu gosto de literatura, e eu gosto de escrever e desenhar, e eu gosto de poesia,
- E isso serve-te para quê?
Sim tens razão e tal como tu não me serve de nada,
- Se o nosso pai tivesse feito uma bola de queijo…
E eu tenho de encontrar urgentemente um corpo para este gajo que não me deixa em paz, quero dormir e o parvalhão fica a ler até às tantas da madrugada, estou a fazer contas e sinto o parvalhão com a esferográfica na mão, coça a cabeça… e começam a sair porcarias, umas com rima, outras sem rima, mas sempre coisas sem nexo,
- Que queres? Nasci assim,
Depois tenho de lhe aturar as paixões,
- Não existem paixões,
Parvalhão,
Estou a fazer contas e o parvalhão começa a desenhar nos espaços em branco da folha de papel rostos de mulheres,
- Riscos,
Mulheres e flores e barcos e pássaros,
- Sou assim o que queres,
Preciso urgentemente de um corpo para este imbecil, urgente, muito urgente,
E antes que os meus leitores julguem ou pensem que se trata de um amante, não, é que dentro do meu corpo vivem dois homens,
- Eu sou o Francisco, escrevo, leio, desenho e sou apaixonado por tudo que é belo e não belo,
Eu sou o Luís, não faço nada e neste momento sou um inútil…
(queriam-me casado, fútil quotidiano e tributável?) “Álvaro de Campos”
(texto de ficção)