(dedicado à noite de Lisboa)
Há uma corrente de aço
Que aprisiona as minhas mãos aos braços do rio
Há um barco enorme à deriva no rio
Há um rio sem fundo
Que engole o barco
E as minhas mãos e a corrente de aço
Há o meu corpo travestido nas esquinas da cidade
Espera pelo engate
E que a luz da vida se acenda
Há um corpo que vagueia nas sombras da pobreza
E que procura migalhas no pavimento da cidade
E a cidade ergue-se e voa em direção ao mar
Há uma corrente de aço
Que aprisiona as minhas mãos aos braços do rio
Há um barco enorme à deriva no rio
E nas esquinas da cidade
Há o meu corpo travestido
Encadeado pelas sombras da noite
(desenho de Luís Fontinha/MiLove)
Vejo-te prisioneira nas teias de aranha da noite
No teu rosto pingos de chuva se desprendem
E eu
Eu
Vejo-te prisioneira
Nas teias de aranha da noite
E não sou capaz de descruzar os braços
Pegar em ti
E levar-te para as nuvens onde vivo
E eu
Eu
Um covarde
Um covarde que não é capaz de descruzar os braços
E pegar em ti
E limpar-te os pingos de chuva…
Que se desprendem do teu rosto
Vejo-te prisioneira nas tei… de aranh.. noite
E tenho medo de tocar-te
E tenho medo que ao tocar-te
Desapareças entre as teias de aranha da noite
E o teu corpo se transforme em pedacinhos de algodão
E mel
Vejo-te
E não te toco porque sou covarde
Conseguirás imaginar-me sentado junto ao rio
Ancorado a um pedaço de xisto
A fingir que sou feliz
A fingir
Adormecido entre a clareira dos socalcos
E as conversas anónimas
Desisto
Hesito
E ao de leve faço desenhos na água
Que a maré engolirá quando chegar a noite
E desaparecem como desapareceram os meus sonhos
O que são os meus sonhos?
Desenhos construídos sobre a água de um rio
Pintados com pedacinhos de lágrimas
Hesito
Desisto
De fazer desenhos na água do rio