(desenho de Luís Fontinha/MiLove)
Tenho nos lábios
O sabor amargo da pétala de uma rosa
Um silêncio desmedido entra-me pela garganta
E poisa sobre o mar que dentro de mim brinca
E se revolta
E finge ser feliz
Tenho nos lábios
A pérola cansada de um dia de outono
E a minha cabeça de abobora cortada em pedacinhos
Dentro do prato de sopa
Ao jantar…
E nos meus lábios o sabor amargo da pétala de uma rosa
Num jardim invisível
Que olha o mar que dentro de mim brinca
E se revolta
E finge ser feliz
Tenho nos lábios
O fel de uma manhã de outono
Uma nuvem esquecida
Junto ao cortinado da noite
E se revolta
E finge ser feliz
E no mar que dentro de mim brinca…
Os crocodilos de Angola escondidos no capim à minha espera
O voo inconstante dos meus braços
Sobre as árvores da manhã
Procuro um sorriso nas sombras que se cruzam comigo
E não
Não sorrisos
Procuro e procuro e procuro
E o voo dos meus braços sobre as árvores da manhã…
O meu corpo evapora-se e desaparece nos ciprestes junto ao rio
E o meu corpo desprega-se dos braços
E o voo e o voo e o voo… entalado nas rochas da montanha
E o voo dos meus braços de silêncio nos lábios
E não sorrisos
Há dias que acredito
Ser um pedaço de papel insuflável
A viajar de árvore em árvore
Há dias que acredito
Ser um pássaro
Ou um papagaio de papel suspenso por um cordel
Nas mãos de um menino
Há dias que não acredito
Há dias que não tenho dias
E noites sem noites
Há dias que sou um cubo de gelo
Poisado sobre a mesa de cabeceira
Há dias que acredito
Ser um pedaço de papel insuflável
A viajar de árvore em árvore
Uma bola de sonhos
Que aterra numa rua da cidade
E percebo quando me levanto que a rua não tem saída
E a cidade não existe
Há dias que acredito
Ser um vagabundo
Ou um miserável
Há dias…
A viajar de árvore em árvore