Amar-te-ei depois de eu morrer?
Pergunto-me,
Pergunto-me antes de adormecer…
Sei que alguém me espera
Numa esquina de rua
Ou num poço dentro de um rio
Sei porque o sinto
Quando caminho nas planícies adormecidas
E o meu corpo cola-se aos muros de vedação
Que separam a luz da noite
E os tiros de solidão rompem o céu recheado de estrelas
E fios de algodão
Caiem sobre os meus ombros
E prendem-me os braços à neblina
Numa esquina de rua
Alguém me espera
Para me levar até à constelação mais distante
Onde os livros são proibidos
E as palavras meras sementes de girassol…
A bicha bolorenta da tarde
Passeia sobre os nardos da noite
Debaixo do braço um livro de poesia
A noite come todos os poemas
E a poesia morre na garganta do desejo
Evaporo-me
Transformo-me no livro de poesia
Páginas e páginas e páginas em branco
Poemas ocos
Palavras cansadas de caminhar na relva
Onde o corpo da bicha bolarenta dorme
E sonha
Evaporo-me
Dentro do desejo da garganta
E os poemas ocos comem-me
Evaporo-me
A noite come os poemas
E os poemas comem-me…
Saboreiam-me nas sílabas
E o sumo das minhas palavras
Alimentam a bicha bolorenta da tarde
Percebo que não sou nada
Não trabalho
E sou feliz dentro da bicha bolorenta da tarde…
Um livro de poemas vazio
Meia dúzia de telas encarnadas
Penduradas na janela virada para o invisível
E as escadas descem
E o meu corpo feliz dentro da bicha bolorenta da tarde
Evapora-se.
Do espelho do guarda fato
As folhas dos plátanos que se despendem da vida
Uma sombra de silêncio atravessa-me e corta-me em pedacinhos
E fico sem perceber o que quer de mim a manhã…
Do espelho apenas as lágrimas
Um fio de luz que entra pela janela do mar
No espelho os pedacinhos de mim
Que voam entre a parede e o soalho
Do espelho vejo-me agachado dentro do rio
A semear sorrisos nos socalcos
E as flores do meu quintal
Que brincam nas nuvens da manhã
Não chove
E o sol desapareceu antes de acordar
O rio leva-me para longe
E na minha mão uma folha de plátano
E da minha mão
O espelho do guarda fato escondido nos meus olhos
A manhã de outono
Simples quando adormece nas candeias da cidade
No chão das ruas abrem-se fendas
E no céu os poemas escrevem-se como gotinhas de água…
Que quando cair a noite
Vão poisar sobre os pedacinhos do meu corpo