(desenho de Luís Fontinha/MiLove)
Vejo-te prisioneira nas teias de aranha da noite
No teu rosto pingos de chuva se desprendem
E eu
Eu
Vejo-te prisioneira
Nas teias de aranha da noite
E não sou capaz de descruzar os braços
Pegar em ti
E levar-te para as nuvens onde vivo
E eu
Eu
Um covarde
Um covarde que não é capaz de descruzar os braços
E pegar em ti
E limpar-te os pingos de chuva…
Que se desprendem do teu rosto
Vejo-te prisioneira nas tei… de aranh.. noite
E tenho medo de tocar-te
E tenho medo que ao tocar-te
Desapareças entre as teias de aranha da noite
E o teu corpo se transforme em pedacinhos de algodão
E mel
Vejo-te
E não te toco porque sou covarde
Conseguirás imaginar-me sentado junto ao rio
Ancorado a um pedaço de xisto
A fingir que sou feliz
A fingir
Adormecido entre a clareira dos socalcos
E as conversas anónimas
Desisto
Hesito
E ao de leve faço desenhos na água
Que a maré engolirá quando chegar a noite
E desaparecem como desapareceram os meus sonhos
O que são os meus sonhos?
Desenhos construídos sobre a água de um rio
Pintados com pedacinhos de lágrimas
Hesito
Desisto
De fazer desenhos na água do rio
(desenho de Luís Fontinha/MiLove)
A prostituição intelectual
E que rasteja entre a noite e o aço da maré
Finge não ver as nuvens
E diz ele que o mar é uma mentira
Nunca houve mar
E que o dia não é dia
É uma bicha perfumada no tesão das estrelas
Prostituem-se intelectualmente a troco de um emprego
A troco de nada
Bafiento na língua da lua
Nasce o dia na algibeira do mendigo
E chora sob as mandibulas do orgasmo
Caminha
Diz ele que o dia não é dia
E que o mar
Uma mentira
O negro deixou de ser negro
E diz ele que o encarnado é o amarelo do sol
A prostituição intelectual
E que rasteja entre a noite e o aço da maré
Finge não ver as nuvens
Finge não ver nada
E finge e finge e finge…
E sente-se feliz entre os homens
Bafiento na língua da lua
Nasce o dia na algibeira do mendigo
E chora sob as mandibulas do orgasmo
O prostituto intelectual sorri
E a cada dia que acorda
Uma sombra cresce-lhe na testa…
Estou só
Dizia-me ele
Estou só no centro da esfera
Onde habito preso a um dicionário
Estou só e só vou atravessar estas paredes de luz
Estou só
Dizia-me ele
Estou só e começo a ficar deprimido
Com a publicidade ao natal
Nunca gostei do natal
Nunca
Pessoas que passam por mim 364 dias
E escondem o rosto em direção ao pavimento da noite
Estou só
Dizia-me ele
E um dia por ano
Com voz de parvalhões – Feliz Natal Francisco –
E passam por mim 364 dias por ano
E nada
Tratam-me como se eu fosse lixo
Restos de comida deixados ao abandono no contentor da vida
- Feliz Natal e Bom Ano Francisco –
Não quero saber do natal
Estou só
Dizia-me ele
E o correio eletrónico com as mensagens aparvalhadas
Bolinhas saltitantes
E Renas com azia
Olho para aquela merda… e lembro-me das noites no TEXAS em Cais de Sodré
Putas dançantes
E luzes suspensas no céu da noite
E pergunto-me
É isto o Natal?
Restos de comida deixados ao abandono no contentor da vida
- Feliz Natal e Bom Ano Francisco –
E só
Ouvia-lhe durante a noite
Estou só
Dizia-me ele
Estou só e só vou atravessar estas paredes de luz
Desisto
Cruzo os braços
E olho as mangueiras do quintal de Luanda
Desisto
E fecho os olhos
Hesito
E sinto dentro do meu corpo
A manhã degolada pelas mãos da solidão
Hesito
Fecho os olhos
Desisto
Da noite que vai acordar
Desisto
De acreditar que amanhã é outro dia
Hesito
E apenas a um palmo do precipício…
Hesito
Desisto
Da noite que vai acordar
Dos pássaros que comem o meu corpo pela madrugada
Hesito
Fecho os olhos
E uma gaivota carnívora
Come-me e sorri come-me e sorri come-me e sorri…
Falo-te e não me ouves
Oiço-te
E desapareces entre os cortinados da noite
Falo-te
E oiço-te
E vejo as correntes de aço
Enroladas ao meu pescoço
Cessa-se a minha respiração
E todos os meus sonhos
Todos
Ardem na lareira da solidão…
E o meu corpo acorda em montículos de lixo
Falo-te e não me ouves
Oiço-te
E desapareces entre os cortinados da noite
E deixo de ser homem
E do meu corpo em cinza
Acorda um malmequer pintado de encarnado
Cessa-se-me a respiração
E deixo de ser homem
E renasço no meio do campo…
Sou um espantalho
Que os pássaros não têm medo
E eu tenho medo do meu corpo em cinza
Imagino-te sentada
Nas ombreiras da tarde
Aproximo-me
E não tenho coragem de te tocar
Hesito
E escondo-me entre as palavras da minha lápide
E as palavras que se agarram ao meu corpo
Enquanto durmo
Imagino-te sentada
Aproximo-me
E o néon da minha voz voa
Na noite
E o néon da minha voz
Voa
Na noite
Aproximo-me e não te toco
E nas tuas mãos
Hesito
Imagino-te sentada
Nas ombreiras da noite
Imagino-te
Imagino-te
E tenho medo de te tocar…
E não tenho coragem de te beijar
Imagino-te
Nas ombreiras da noite
Sentada
Imagino
E imagino
E o teu corpo desaparece em pedacinhos