Música - Orquestra Skomorokhi de São Petersburgo
Poema e Desenho - Luís Fontinha
Música - Orquestra Skomorokhi de São Petersburgo
Poema e Desenho - Luís Fontinha
Amar-te-ei quando os silêncios dos céus
Cessarem dentro da espuma enraivecida do mar
Pergunto-me
Amar-te-ei
Pergunto-me quando entro no espelho da manhã
E observo o meu rosto transformado em finíssimos fios de luz
Que se abraçam a uma gaivota em cio
O sol desfaz-se em grãos de nada
E eu pergunto-me se amar-te-ei
Quando cessarem dentro da espuma do mar
Os silêncios dos céus
E se o mar deixar de ser mar
E se os finíssimos fios de luz do meu rosto
Transformarem-se em xisto pregado aos socalcos do douro…
E se a manhã nunca mais for a manhã
E se a manhã deixar de ser um espelho
E se a manhã eternamente a porta de um cubículo
Sem janelas viradas para o mar
Pergunto-me se amar-te-ei
Quando um dia acordar
E o meu corpo deixar de ser corpo
E todas as flores serem desejos
E todos os corpos pêndulos de orgasmos junto ao rio
Pergunto-me se amar-te-ei
Pergunto-me
Amar-te-ei quando os silêncios dos céus
Cessarem dentro da espuma enraivecida do mar
Não sei
Se chegarei ao dia de me perguntar
Eu menino
Mergulhava no medo do mar
Cerrava os olhinhos com os silêncios da tarde
E na areia fina do Mussulo
Descia até às profundezas da terra
E ficava lá até que a noite me acordasse
Até que as estrelas se acendessem
Sobre a ilha
E levitando dentro do túnel da maré
Voltava a abrir lentamente os olhinhos…
E sentia os braços da minha mãe
Poisados dobre os pêndulos do meu corpo
Eu menino
Mergulhava no medo do mar
Inventava amigos que brincavam comigo
À sombra das mangueiras
E o meu triciclo fartava-se da minha companhia
E antes que chegasse a noite e me levasse para o mar
Eu corria eu corria eu… corria para as mãos dum boneco estúpido
Que batizei de chapelhudo
E hoje não tenho o mar nem medo do mar
E hoje sei que amo o mar
E hoje se fosse hoje não me escondia na areia fina do Mussulo
Hoje eu corria eu corria eu… corria até me cansar