Definitivamente não,
Acreditava eu quando olhava o céu do meu quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam, e eu estúpido acreditava que dentro deles uma alavanca que alguém puxava e depois passavam os pássaros e eu já não acreditava em alavancas porque dentro dos pássaros só carne e ossos e músculos e gordura e porcaria e perguntava-me,
- Tudo bem francisco Dentro do avião o parvalhão puxa uma alavanca que o faz engordar ou emagrecer, e os pássaros?
Que têm os pássaros Perguntava-me o meu pai,
- Os pássaros pai Os pássaros quem os faz engordar ou a emagrecer,
Definitivamente não,
Quando junto ao porto de embarque e os barcos enormes e eu tão pequenino e perguntava-me,
- Também alavancas dentro dos barcos?,
Zarpavam em pedacinhos de nada à boleia de um rebocador e enquanto eu abria e fechava os olhinhos certamente o mesmo parvalhão que puxava a alavanca dos aviões e puxava a alavanca dos pássaros,
- Alavancas Quais alavancas?
O barco pequenino e desaparecia no horizonte,
- Pássaros com alavancas? Sorria o meu pai quando passávamos junto à estátua da Maria da fonte e no fim de tarde a ida aos coqueiros para assistir aos treinos do hóquei em patins,
E quando fui de Luanda a São Salvador de avião fartei-me de procurar pelo homem que puxava a alavanca para que os pássaros emagrecessem ou engordassem e definitivamente não, nenhuma alavanca dentro da barriga do pássaro a não ser, a não ser,
- A não ser o quê francisco?,
A não ser a cidade tão pequenina e outro parvalhão de alavanca na mão,
- Acreditava ele quando olhava o céu do quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam,
A cidade tão pequenina e as nuvens penduradas à janela e o paquete em pedacinhos de nada agarrado à boca do rebocador,
- Eu com as mãozinhas agarradas às grades e nenhuma alavanca e nenhum homem a puxar a alavanca para que ele emagrecesse, e aos poucos alguém de alavanca na mão fazia com que Luanda ficasse tão minúscula e deixei de a ver e hoje,
E hoje recordo,
Definitivamente não,
E hoje recordo o dia em que vim e nunca mais vi Luanda porque aos poucos emagreceu e desapareceu e só água e só agua e só água,
E uma outra cidade começou a engordar quando ao longe uma ponte me acenava e anos mais tarde sentado junto ao rio via um paquete a caminhar tejo acima e um menino pendurado nas grades a acenar-me e a perguntar-me,
- É o senhor o homem das alavancas?,
Definitivamente não,
Alavancas? Miúdo tão parvalhão…
Alavancas, Alavancas.
(texto de ficção)
Construímos manhãs
Nas árvores do sonho
Dentro dos pássaros onde habitamos
Junto ao rio emagrecido na garganta do mar
Construímos manhãs
E pintamos o pôr-do-sol no teto do desejo
E na montanha onde desenhamos flores
Brincam as tuas mãos suspensas no meu peito
Que acariciam os meus lábios
Nas árvores do sonho
O rio imaginário entra no teu corpo
E na tua boca cresce um beijo
Nas manhãs construídas
Debaixo das nuvens transparentes de algodão doce
Tu e eu olhamos a cidade que dorme
A construir manhãs na rocha dos sonhos
Espero impaciente pelo teu acordar
E que no final da manhã
O teu lindo sorriso de odor a mar
Me abrace
E nos teus olhos
Desapareça a tempestade
E cessem todas as dores
E cesse a saudade