Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

04
Jan 12

Poiso a mão sobre a tela deserta e um sorriso abraça-se-me,

- Volto já E nunca mais regressou desde a noite que saiu apressadamente para comprar cigarros,

Abraça-se-me e dizem que dorme na rua de uma cidade de um qualquer país inventado debaixo de cartões e jornais fora de validade,

- Volto já E nunca mais o vi e nunca mais senti sobre o meu braço a mão trémula que quando consumia cigarros junto ao rio evaporava-se e abraçava-se-me como aquele sorriso que acordava da tela deserta na noite que apressadamente saiu para comprar cigarros,

Fora de validade as ruas engasgadas nos paralelepípedos de miséria,

- Sou feliz Mãe Pensava eu antes de adormecer e claro que tudo mentira,

Paralelepípedos de miséria E tudo mentira Eu mentira As ruas da cidade Mentira Os cigarros mentira,

- Sou feliz Mãe,

Tudo mentira exceto as noites debaixo de cartões e jornais fora de validade,

- Sou feliz Mãe Os cigarros mentira,

Desciam as estrelas embrulhadas num finíssimo manto de geada que entranhava-se-me nas dobradiças ferrugentas made in Cinha e que algumas noites depois de usadas pareciam as rodas do carro de bois do tio serafim pela calçado do outeiro,

- Amarela Raios te fodam,

E tudo mentira Exceto as noite debaixo de cartões e jornais fora de validade e os bois do velho serafim,

- Amarela Raios te fodam,

E as ruas inventadas onde dormiam homens nos paralelepípedos de miséria, e ao longe, ao longe a amarela com vinte e quatro luzinhas suspensas nos cornos e o serafim Amarela Raios te fodam,

- Miséria Raios te fodam,

E tudo porque numa noite, de uma tela deserta e encostada à parede, um sorriso renasceu e abraçou-se a mim, e ao longe, e ao longe o pobre do serafim sentado na eira a contar as espigas de milho antes de adormecerem,

- Caralho Faltam-me duas,

E tudo porque numa noite, de uma tela deserta e encostada à parede, Fora de validade as ruas engasgadas nos paralelepípedos de miséria, Poisou a mão sobre a tela deserta e um sorriso abraçou-se-lhe e nunca mais voltou e dizem que caminha nos paralelepípedos de miséria embrulhado em jornais fora de validade e com vinte e quatro luzinhas nos cornos,

- Amarela Raios te fodam,

E claro que sou feliz Mãe e claro que

- Não percebi Mãe?,

E claro que comi a sopa e tenho-me agasalhado e se for necessário Como? Não mãe E se for necessário arranjo mais jornais e cartões

- Estás a mentir-me…

Arranjo mais jornais e cartões Sabe Mãe, Não percebi Mãe?, Só tenho medo que as ruas desta cidade com paralelepípedos de miséria deixem de existir,

Porque cartões e jornais fora de validade consigo eu arranjar Tenha eu assim ruas por onde caminhar, Sabe Mãe?,

- Caralho Faltam-me duas,

E o serafim cerrava as cortinas da noite, descia pausadamente o caminho até casa, entrava silenciosamente no curral para desligar as vinte e quatro luzinhas penduradas nos cornos da amarela, subia as escadas e

- A lâmpada do quarto começava a tossir e a engasgar-se até que se extinguia junto à ramada da casa do avó domingos E eu de livro na mão à espera que o tio serafim desligasse o moinho elétrico e a lâmpada voltasse a si depois de uns minutos desmaiada,

E ligava o moinho e pegava num copo de verde e cantava até adormecer.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:49

Masturba-se a cidade

Dentro dos candeeiros de néon

As ruas incham nas sombras da noite

E nos orgasmos de fome

O desejo do homem vestido de mulher

Que vagueia sobre as migalhas de suor que se desprendem das árvores

 

(Tenho medo da noite

Medo das estrelas

Da lua

E dos rios que correm para o mar) – grita ele

 

O desejo do homem vestido de mulher

Que busca as minguas moedas de euro na algibeira amarrotada

E cinzenta

E deserta na confusão das luzes suspensas nos olhos do medo

 

A fome cresce e multiplica-se

Nas pétalas das flores escondidas dentro dos candeeiros de néon

E nos orgasmos de fome

Masturba-se a cidade

 

E o homem vestido de mulher sorri

Quando a garganta do medo come a noite

E os desejos das migalhas de suor

Correm nas veias travestidas de um cacilheiro

O homem sorri

E dorme nas asas cansadas do amanhecer

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:02
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Janeiro 2012
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