Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jan 12

Um dia enquanto urinava num urinol público de Belém, junto à esplanada onde me estacionava nos finais de tarde a olhar o tejo, a comer bolas de Berlim, a beber café e água sem gás, a ler e a escrever versos a um amor impossível (porque nos finais dos anos 80 acreditava existirem amores impossíveis, e com o andamento da roda da vida percebi que a impossibilidade só existe na nossa cabeça), lembro-me como se fosse hoje, na altura andava a ler “Doutor Jivago” de Boris Pasternak, prémio nobel da literatura em 1958 e impossibilitado de o receber por razões políticas, e tal como os amores impossíveis, as coisas mudam, e hoje seria diferente,

E enquanto apreciava o meu rosto impresso nos azulejos da casa de banho pública de Belém percebo pela sombra que alguém ao meu lado direito olhava o meu coiso, e claro que na altura era normal por aqueles lados, mas eu ficava sempre chateado porque a jogar ao montinho na arrecadação do Moreira não tinha a mesma sorte, isto é, de seis montes eu parvalhão escolhia sempre o monte de menor valor, e o Moreira

- Já te fodeste,

E se eu tivesse tanta sorte ao montinho como tinha para ser atraído por panascas, acreditem que hoje tinha, não diria um mercedes, mas que hoje tinha uma lambreta, e não é mentira nenhuma,

E o Moreira sempre com uma sorte do caraças a arrebanhar moedas e a assar chouriços roubados na cozinha, e quando numa noite apagava as labaredas da cama porque o álcool onde púnhamos o chouriço a laminar saltou e ficou-se a dormir como um anjo barrigudo Diz-me

- Sorte ao jogo Azar ao amor,

Diz-me E eu fodido sem moedas e eu fodido com um gajo de meia-idade a olha para o meu coiso que de tanto envergonhado começou a diminuir até desaparecer no tejo,

E eu na altura confesso Nem sorte ao jogo Nem sorte com amores impossíveis Mas tinha uma pontaria para ser assediado por panascas, e procurei e procurei e procurei…

- Coiso nenhum E só mais tarde percebi que já andava em banhos no tejo, e quando olho o senhor de meia-idade, feio e sem dentes, com óculos de fundo de garrafa e ainda por cima com bigode de piaçaba de desagarrar merda das sanitas Confesso que me assustei e não condeno o meu coiso por ter dado de frosques e ir a banhos para o tejo,

E hoje podia ter no mínimo uma lambreta

- Já te fodeste,

No mínimo uma lambreta, mas quis o destino que não, e hoje desse tempo tenho meia dúzia de fotografias e três caixas de cartão com versos a um amor impossível, escritos numa esplanada de Belém junto a uma casa de banho pública onde numa tarde de agosto um senhor de meia-idade engraçou com o meu coiso,

- Sorte ao jogo Azar ao amor,

E os chouriços até que se comiam embrulhados em cerveja.

 

(texto de ficção, inspirado na minha passagem por Belém – Maio de 87 / Agosto de 88)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:00

 

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:55
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O jeitoso engomado encosta-se ao parapeito do vento, pesca um cigarro entre os destroços da algibeira e acende-o com a lente dos óculos, a princípio gotinhas de fumo dispersam-se pelas marés ruivas da tarde, depois, gargalhadas de fumo contra os uivos fabricados no sótão do prédio em frente,

- Ai Ui Foi tão bom,

O cigarro incha e cresce na boca dele como se fosse uma barra metálica ou um pénis argamassado entre o beiral e a clavícula do mendigo sentado no passeio a pedir esmola queixando-se que a reforma não chega para viver, o pénis furiosíssimo

- Não chega? E eu quase sempre teso,

Furiosíssima a clavícula pendura-se na cabeça do mendigo e o jeitoso com voz de malmequer,

- A menina dança?

E que não Não sei dançar responde-lhe a menina,

- Ai Ui Foi tão bom,

O jeitoso engomado pega nos restos mortais do cigarro e entrega-os ao senhor proprietário da funerária onde num pedaço de cartão pendurado sobre a entrada podia ler-se “FASEMOS INTERROS SEM FATORA”, combinam o preço e o jeitoso engomado ao sair do estabelecimento comercial manda foder o mendigo e diz para a clavícula

- Foi tão bom,

E diz para a clavícula Hoje foi um dia de merda, e em passos clandestinos desce a calçada em direção ao rio.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:03

Janeiro 2012
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