Procuro por ti
Entre todas as luzes da noite
Dentro de todas as janelas da cidade
Em todos os rios sem barcos
Procuro por ti junto às amoreiras
Quando acordam pela manhã
Procuro por ti em todos os charcos
E não te encontro
E apenas pingos de saudade
Pregados aos braços das mangueiras
Procuro por ti
Entre todas as luzes da noite
Dentro de todas as janelas da cidade
E não te encontro
Procuro por ti em todos os mares
Quando as gaivotas sem nome
Sem mãos
Correm com fome
E não te encontro.
Miseravelmente só
Olhando um rio sem nome
Num país inventado
Miseravelmente só dentro das mãos do oceano
À procura de palavras
Fabricando nuvens de fumo com sabor a silêncio
Erguem-se fatias de pão das rochas ingremes da noite
Quando uma criança dorme nos braços do pôr-do-sol
Quando de um livro acorda um corpo cansado
Mutilado
Prisioneiro de um muro de betão
Ao cair da noite
Ao cair da vida
Miseravelmente só
Sentado fingindo viver
Fingindo sentado miseravelmente só
À espera de morrer…
Das mandibulas do sofrimento
Cresce um ramo de flores sem cor
Um ramo de flores sem nome
Pregado às nuvens invisíveis que cobre a floresta
Das mandibulas
Do sofrimento
Um rio desgovernado nunca chegará ao mar
Transformando-se em beijo
Nos lábios travestidos do desejo
Quando na manhã sem janelas
O meu rio cansado
Morre dentro das rochas ingremes da saudade
Os meus cigarros adormecem
Nas mãos do rio cansado
E na pedra onde me sento
O ramo de flores sem cor
Sem nome
A mim abraçado.
Há quem me chame de tudo
Há quem me ignore não me chamando de nada
Simplesmente baixando a cabeça
Simplesmente me comparando com uma pedra de calçada
Há quem diga que sou louco
Há quem pense que vivo num mundo de fantasia
Há quem me chame de tudo
De tudo um pouco
Há quem me ignore não me chamando de nada
Como se eu fosse um livro de poesia
Abraçado a uma gaivota cansada
Refém na madrugada
O que nunca tive
E pensava que tinha
Quando tudo se perde
Entre os grãos de areia da noite
Ceram-se as janelas
E extinguem-se as luzes de néon adormecido
E evaporam-se todas as estrelas do céu
E todos os barcos morrem na madrugada
Perder o que nunca tive
Dormir quando não tenho sono
Porque tudo o que tinha
Perdeu-se entre os grãos de areia da noite
E agora não tenho nada.
Cerro a janela dos sonhos, pego no mar que pintei na parede do meu quarto e guardo-o na gaveta da cómoda juntamente com velhos papéis amarrotados pelo cansaço do vento, sento-me na cadeira de vime e enrolo o último cigarro da noite, acendo-o e espero, acendo-o espero que os meus braços se transformem em rocha e que nas minhas mãos cessem as lágrimas da primavera, uma gaivota parvamente me sorri, e dou-me conta que amanhã posso não ter tempo pra desfrutar o último cigarro da noite.